terça-feira, 13 de novembro de 2012

A dama e a lotação.

Era uma vez em um passado não muito distante a história de amor de dois estranhos que se encontraram na lotação da lataria. A chuva caia de maneira descomunal, a cidade quase alagando, os cabelos desarrumados pelo vento, o guarda-chuva meio quebrado pendurado no pulso dela, nada sugeria que em um fim de tempo o coração ia bater mais forte. Alguns pontos a frente do que ela entrou, subiu um rapaz, distinto, misterioso, olhou-a de maneira intensa e tímida e sem dizer uma palavra os dois jovens foram seguindo viagem. O desconhecido esbarrou na dama sem querer, pediu desculpas e abriu um sorriso, ela contemplou aquele momento como se fosse o primeiro da vida deles, mas não teve coragem o suficiente para perguntar-lhe o nome. A chuva continuava caindo e o ônibus sempre correndo, em uma freada brusca, ela quase caiu e quando olhou pra cima, viu o amor da sua vida. A partir daí vocês já sabem o que aconteceu, assim como toda história começa com "era uma vez" termina com um belo "final feliz", não é preciso contar mais nada......
 Só que a história não terminou com um final feliz, o "era uma vez" martelou apenas uma vez na minha cabeça, até o sujeito abrir a boca e soltar uma voz completamente sem expressão e mostrar um sorriso horroroso. Eu ri da situação. Ri quando ele desviou o olhar quando eu olhei pra ele e ri mais ainda por fantasiar com um desconhecido, ri da minha má sorte, ri da minha infelicidade, ri dessa situação constrangedora que só se passou na minha cabeça. Quando passei pela curva em alta velocidade, eu parei de gargalhar internamente e percebi o que de fato estava acontecendo: Não era o dente separado ou a voz sem força, não era o olhar desviado, nem a falta de cavalheirismo, era você. Você era o motivo das fantasias com desconhecidos, da vontade de querer ocupar a minha cabeça com outra pessoa, qualquer um era mais acessível que você. O "era um vez" martelou uma única vez para nunca mais, não importava se eu tinha uma pessoa aos meus pés aturando minhas mudanças de humor, ou outra completamente satisfeita em me ter por perto, nenhum desses seres seria você. O motivo do meu silêncio, da minha vontade de permanecer sozinha, a origem e o fim de todos os meu pensamentos, era você. Se ao menos soubesse, se ao menos eu tivesse timbre suficiente para falar ou sussurrar que você é a razão de tanta cólera.... Mas eu não tenho essa coragem, enquanto isso eu deixo o "felizes para sempre" nos contos de fadas e continuo com a esperança de não ter que escrever o ponto final.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Até que o mundo acabe.

O tempo não era dos melhores, trovoava e relampejava. Eu contava, 5 segundos, 5 metros de distancia, estava se aproximando. A chuva ameaçava cair, mas ela não é como um cão que rosna e não morde, ela viria de uma forma ou outra. Eu tinha duas opções: Ficar na inércia e ver se o telhado ia ou não sair voando pela rajadas de vento, ou me aventurar no meio de uma cidade que entra em caos quando o tempo vira. Preferi ver a tempestade do lado de fora da bolha, eu tinha esquecido o meu guarda-chuva e como se fosse marcado no relógio, assim que sai do meu abrigo o primeiro pingo cai em meu couro cabeludo. Eu deveria ter seguido o conselho da minha mãe e ter levado o guarda-chuva na bolsa, as mães sempre tem razão, pensei eu enquanto corria.
   O vento era demasiadamente gelado, mesmo com calça e casaco sentia-o de encontro ao meu pulmão, de certa forma era acolhedor. Batia apenas quatro da tarde e eu sentia que já estávamos de madrugada, eu adoraria fugir disso tudo, só acelerando o relógio. Comecei a correr mais rápido, as luzes dos postes, as poças que eu sempre teimava em pisar, aquela chuva grossa e vento que tentava me derrubar, eram sinais claros que se eu não estava em um filme de terror de péssimo gosto, era o fim do mundo. Sim, o mundo estava acabando e eu corria para lugar algum.....
 Eu sempre fui assim, desde pequena, mal aprendi a andar e comecei a correr... Corri em meio a tropeços e arranhões, joelhos e cotovelos já tinham a vermelhidão que era a minha marca registrada. Meus pais me achavam apenas desastrada, mas eles não entendiam que o que eu realmente queria era ser mais rápida do que a realidade. Passei a correr para alcançar os meus amigos de escola, para ser a primeira a subir no castelo, para ficar no melhor lugar. Hoje em dia eu corro contra todos eles, corro contra os sorrisos mesquinhos que vejo em seus rostos tão patéticos, corro para descer mais rápido, já não preciso do melhor lugar, corro para encontrar o meu.....
 Passo rápido demais em uma poça e quase caio novamente, sinto que é um maldito sinal de que tudo irá voltar. Eu nunca aguentei o meu modo de viver, sempre me senti livre, mas nunca fui. Eles colocaram padrões e me fizeram acreditar que eu era livre dentro deles, eu era mais feliz quando não sabia disso. Continuo a correr, tenho plena consciência que meu celular está encharcado, tento liga-lo mas parece que a água deu cabo de sua vida, coisa que eu sempre tive vontade de fazer.
  Como eu já estava cansada de correr, cansada de ficar sem ar e as pessoas não entenderem, cansada da minha visão turva, me escoro numa parede, eu estava em um beco escuro iluminado apenas por uma lampada que brigava contra a tempestade. Eu queria tanto voltar para a minha bolha, maldito fim de mundo que me deu coragem para essa aventura. Enquanto mil pensamentos se contraiam em minha cabeça, uma coisa se mexeu, no beco uma coisa se mexeu! Eu esperei ansiosa para saber qual era o meu destino, já que era fim de mundo mesmo que eu aguentasse o que estivesse a minha espera. Grandes olhos castanhos surgiram na minha frente, seguidos de roxas olheiras e uma pálido cadavérico no rosto... Não era a morte, não era o fim do mundo, era uma coisa muito pior. Era a mentira dissolvida na chuva, era a realidade me encontrando e me arrastando. Já não sabia se estava louca ou completamente sã, passei anos tentando mostrar aos outros o que eu via agora, uma versão minha corrida pelos registros brutos de uma sociedade mesquinha. Eu via canceres em sua pele e agrotóxicos em seus lábios, eu via todos as doenças que o ser humano inventou e colocou a culpa na natureza, eu via o consumismo, o materialismo, todos os ismos e sismos que todos nós decoramos enquanto dormimos. Eu via a realidade e ela me encarava de volta, já não sentia mais nada, não haveria droga em farmácia suficiente para me convencer de que aquele puxão não fora verdadeiro. Puxada pelos cabelos eu entrei na realidade e eu detesto quando puxam meu cabelo.