segunda-feira, 23 de abril de 2012

Devolva-me as borboletas.




Eu sinto uma saudade enorme de minhas borboletas, elas tinham tantas cores! Umas eram pretas, outras purpuras e algumas até mesmo azuis. Que saudade de sentir suas asas batendo dentro de mim, como se eu fosse levantar voo e mudar de lugar. Não se pode prender quem nasceu para ser livre e elas voaram, voaram para muito longe e se desencontraram de mim, quantos anos já passaram? Eu já não sei ao certo, que saudade de sua leveza e do frio que me dava. Eu libertei minhas borboletas no momento em que desisti de ser presa, ser presa a mesma pessoa, aos mesmos hábitos, ao mesmo cabelo. Mas agora eu peço que voltem, minhas pequenas asas flutuantes, por que eu sinto tanta falta do embrulho que vocês me davam, como se as minhas borboletas fossem montanhas-russas.
Devolva-me as borboletas! Eram minhas e suas também, crescendo dentro da minha barriga e me fazendo alcançar brilhos que eu nunca pensei em ver. Devolva-me a purpurina que caia sobre nós dois, devolva-me tudo que me faz sentir. Devolva-me pois é meu por excelência, mérito do coração.
Voltem minhas borboletas voltem pro meu prato de flores, pro meu ventre voltar a congelar e se revirar com apenas um pensamento, voltem para o lugar de origem, pois foi em meu umbigo que vocês alcançaram voo. Voltem minhas queridas, pois sem vocês eu já não sou nada e passo as madrugadas pensando em quais ventres vocês reviram agora.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

A falta que me faz.




Sua falta me deixa completamente debilitada, amor. Parece que foi ontem que eu vi seu corpo pela última vez me acenando, espere... foi ontem mesmo. Como vou sobreviver sem você? Sem seus cabelos em meus lençóis, sem suas unhas em minha pele, sem seus dentes em meu sorriso. Você se lembra como nos conhecemos? Eu também não, foi rápido demais, instantâneo demais, como o miojo que você sempre faz pra mim. Eu deixei as janelas do quarto abertas, eu sempre soube o quanto você gostava do cheiro que a rua trazia, você dizia que era um misto de desconhecido e prazer. Eu deixo o seu cheiro misterioso entrar no meu quarto novamente, mas fecho o armário que é para o seu perfume não escapar também.
É difícil viver tudo isso sem você, ver o sol se por sem te ter ao meu lado, ver as sombras mudando sem ter seus olhos para acompanhar, deitar na cama e não sentir o formato do seu corpo. Eu não aguento, me confesso com meu único outro melhor amigo sem ser você, meu travesseiro. Deito minha cabeça nele e deixo tudo o que está preso em mim se soltar, são tantas lágrimas perdidas!
Choro agora não só por você, mas pelas outras vezes que eu me sequei por medo de parecer fraca, choro pelo machucado no joelho de quando era criança, choro pela briga que tive com meus pais, pela morte da minha cachorra e por você. Não que você tenha me feito algum mal, longe disso, mas eu choro pelas lembranças contidas, pelas fotos que nunca vão parar de falar expostas na comoda, pelas discussões patéticas que eu sempre começava, choro simplesmente por chorar.
Eu seco minhas magoas e tento aproveitar um pouco mais de você antes que o tempo realmente te leve embora, aproveito a bandeira do seu time pregada na parede, o quadro que comprou de um idoso só porque ele precisa de dinheiro, o furo que você deixou quando martelou errado uma única vez. Eu contemplo tudo, não sei mais por quantos dias ou anos você vai me acompanhar. E eu queria te esperar, como eu fazia todos os dias, mas a vida segue e se eu não for rápida o bastante perco o meu trem... Ontem eu te tinha em meus braços, hoje te tenho em tumulo.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Seja.

Quantas vezes vocês já se flagelaram? Quantas vezes ficaram a margem de si mesmos, só para não abrir outra ferida? Quantas vezes você já tiveram certeza nessa vida? Não adianta se crucificar pelo que já aconteceu, o seu passado não te condena, quem faz isso é você.
Eu mesma tento me reinventar o tempo todo, pulando de fase em fase, mudando olhares e sorrisos, é me perdendo que eu me vou me achando. O único triste disso é quando você vira um fantasma, interpreta uma parte de você que já não existe, ficou no passado silencioso. Quantas vezes você já foi um fantasma? Essa é a pior traição que eu possa imaginar, doar uma parte de si que não existe mais. Não é medo de viver, mas de se expor, abrir todas as feridas e deixar sangrar. Conto nos dedos as pessoas que me conheceram por inteiro. Eu me neguei, não só para os outros, como pra mim também, fiquei olhando um personagem, como se eu fosse a atriz principal e a plateia ao mesmo tempo.
A maior prova de amor que eu posso dar pra alguém é a liberdade, que seja livre e voe! As vezes as pessoas voltam, outras vezes se esquecem. E a vida é feita disso mesmo: De encontros e despedidas, de amores e de azedumes, de alegria e depressão. E você vai fazer o que, fechar as cortinas e se negar pro mundo? Acorda, quem vive sua vida é você, seja a metamorfose que for, mas nunca esqueça o seu valor e os seus princípios, por que uma hora você esquece quem realmente é e faz com que as marcas do seu passado fiquem presas em você, te deixando parar de viver.

sábado, 7 de abril de 2012

Boneca VI



Eu demorei um pouco para entender o por que fui deixado tão bruscamente, mas agora entendo com um pouco mais de clareza. Boneca era seu apelido por que era um doce e eu podia usa-la como bem entendesse, até mesmo quando ela não queria. Eu via nela todo um chamado para o sexo, o modo como abria suas pernas, o jeito que tirava suas meias, ou até o olhar desprotegido para um estranho. Ela cheirava libido e eu era um velho desocupado, eu adorava o cheiro de morango do seu chiclete, ou o aroma do seu perfume natural de mulher, ela era tão nova e eu tão tolo! As vezes eu me pergunto se a tratei como ela merecia, neguei-lhe tanto amor e ofereci tantos tapas e arranhões... Não me admira que agora eu esteja sozinho.
Minha Boneca não sabia seu valor por inteiro, ela sabia o que exercia sobre mim, mas não sabia o quão valiosa ela era. Quantas vezes minha Boneca virou minha Putinha, vulgar, vadia, solta na cama, mas presa pelos cabelos. Eu fazia isso para diminui-la, para me sentir forte, ver as veias em meu braço e as tiras vermelhas em seu rosto. As vezes ela não se negava, outras me cuspia e me odiava... Hoje em dia eu também me odiaria. Ela falava que não importava se eu fosse mal com ela, se no fundo a amasse, ela falava que eu podia bater-lhe, tirar-lhe as calças e arrancar-lhe a pele que se no fundo ela fosse minha mulher, para ela estava tudo bem.
Como as mulheres mentem, eu podia ver nos olhinhos dela o quão desprezível ela também se sentia, ela não estava só. Eu era muitas vezes um canalha por violentar com tamanho desejo sua carne, sabendo que ela, mesmo aproveitando o gozo, era complemente fiel e possessa pelo meu amor. Ódio, mil vezes ódio pelo meu olhar vazio e meu sorriso canastra enquanto que ela se contorcia de prazer e de lamentações por não conseguir se desprender de correntes imaginárias.
Eu tolo, sempre tolo, acreditei que mesmo minha Boneca sendo tapete e vadia, ela continuaria ao meu lado. Eu não sei em que momento ela se esqueceu de mim, ou se algum dia lembrou. O problema maior sempre fui eu, essa minha necessidade de ser homem e ela menina, uma menina! E eu abusando-lhe o caráter e o amor-próprio, observando sua fruição e a deixando cair em braços vazios, pois eu era incapaz de segura-la, conter-lhe uma vez na vida.
Eu não era suficiente, nunca fui. Talvez se eu fosse outro homem, um homem mais triste e menos confiante, um homem com mais amor e menos cigarros, talvez ela ainda estivesse do meu lado. Mas o que iria adiantar? O tempo é cruel e não perdoa, eu ainda sou um velho, muito mais velho do que antes, mas agora ela já deve ser uma moça e goza e aproveita cada canalha que lhe cruza a fuça.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Boneca V



Tanto tempo se passou desde que minha Boneca se fora e mesmo assim lembro-me com detalhes de nossos passeios e aventuras juntos. Minha menina estudava no colégio da vizinhança, eu apenas precisava subir a rua 56 para escutar os gritinhos histéricos das meninas que estudavam lá, tanto barulho me deixava de mau-humor e cansado. O uniforme de colegial ficava perfeito em seu corpo que já estava tomando lugar e definindo suas formas, a blusa marcava a protuberância dos seios que ameaçavam aparecer e a saia rodada deixava a mostra suas pernas carnudas e tão brancas que refletiam o sol chamando a atenção das pessoas ao seu redor. Eu adorava ver minha menina voltando das aulas, a saia voando, os cadernos na mão e as duas tranças marcando o cabelo, uma típica ninfeta que não sabe o seu poder.
Algumas vezes eu fui busca-lá no colégio, ela me apresentava como um tio distante que veio a cidade apenas para visita-la e logo em seguida abria um sorriso por ver as amigas desejando tamanho interesse por um homem. Ela pegava a minha mão e falava: "Vamos titio, hoje você tem que passar a lição, está tão complicada!" e gargalhava com o segredo que só nós dois dividíamos. Eu adorava suas birras de menina mimada e o jeito que franzia a testa quando estava com raiva, ela ficava nua e corria até a janela falando que a liberdade estava na nudez e que eu não entendia isso por que era velho demais.
Nosso teatro em família levou a uma briga sem tamanhos, enquanto ela falava aos quatros ventos que eu era seu tio amado que sempre comprava chocolates e a levava para o cinema, eu precisava ficar escondido, se alguém descobrisse nossa relação eu certamente iria ser preso e perderia minha boneca para o tempo. Eu ralei com ela, fiz um discurso merecedor de troféu e falei que era pra ficar em segredo que era apenas para suas amiguinhas saberem para ficarem com inveja, que uma menina tão nova não pode ficar com um homem tão velho que tem idade para ser pai. Ela não aceitou ficou com raiva e pensou que eu tinha vergonha dela, levantou da cama, nua como estava, colocou a mão na cintura e falou "Pois se tem vergonha de mim, faz bem, arranjo outro velho para me colocar no colo e me acarinhar já que você tem medo do que os outros vão falar, aposto que arranjo um menos covarde que você", aquela cena me deu nojo e pena, tocou no meu ego e eu não consegui evitar, levantei a mão para bate-la e faze-la se arrepender pela palavras que ela me cuspia no rosto. Me arrependi de te-la ameaçado, com a mão levantada em direção a seu rosto, ela se encolheu como um animalzinho amedrontado e aquilo me partiu o coração e logo que abaixei a mão ela que me bateu e avisou que era mais esperta do que eu imaginava.
Não sei por que me recordo disso agora, se me olho no espelho consigo ver as marcas de seus dedinhos finos em minha bochecha e seus olhos cintilantes de raiva, consigo ver seus quadris dançando pelo quarto e seu olhar mostrando que eu era a caça e ela a caçadora.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Espelho.



Era uma tarde alaranjada, dessas que fazem a gente pensar no eu profundo e gargalhar por tanta complexidade, era um dia como outro qualquer, desses que a gente vê sendo engolido pela rotina e mesmo assim deixa passar em branco. As cortinas dançavam com o vento, me desafiavam, me chamavam para sua leveza, eu adorava o frio do chão e o ângulo que me dava daquela janela. A brisa trouxe junto um cheiro forte, um desses perfumes baratos que me enjoam só pelo fato de existir, eu senti vontade de vomitar quando lembrei que esse perfume era seu.
As mãos frias e ásperas em cima da minha coluna nua, prontas para me chicotear e me prender a algo monótono e otário, eu sorrio para não te assustar, se a sua iris visse o que realmente existisse, você também sentiria nojo de mim. Eu adorava te esperar sentada em cima do tapete que você me deu, não por que foi um presente seu, mas por que naquele pequeno círculo inúmeros outros aromas passaram e se deitaram comigo, deixando suas marcas. Você cego, nunca conseguiu ver aquilo e eu ria do desprezo interno que crescia, ria da sua pequinês, ria do seus mínimos pedacinhos presos em meus dentes, eu te mastigava e te triturava sem nem ao menos você perceber.
Foram tantos cortes que você tentou fazer, tantos arranhões e machucados e eu fingindo ser uma violeta amargurada deixando o pobre tolo estrear o seu fracassado teatro. Quanta burrice existia dentro da sua cabeça, quanta verdade inexistente, quanto excesso de amor próprio e falta de inteligencia, era tão divertido gargalhar com as suas atitudes.
A verdade é que eu queria ser um espelho, pra poder refletir todos os seus cabelos brancos e dentes amarelados. Queria te mostrar como suas risadas eram ocas e seu dedo indicador era tão podre, refletir como todos os seus jogos eram cansativos e patéticos, como você era visceral e anti-poético. Mas eu me contento com o meu silêncio, com as minhas gargalhadas internas e com as lembranças lúcidas de que o malandro, virou otário novamente.