quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Cabo de Guerra



É hora de começarmos a andar e parar de ficar pisando em cascalhos, de tempos em tempos a poeira levanta, a areia cobre e o mar some com tudo que um dia existiu. A maresia corroí, todos sabemos disso. É tempo de descer do salto, subir pelas escadas e atear fogo em petróleo. Era raro, não tem mais valor. Retirando aos poucos a maquiagem com todos os enfeites que um dia um rosto poderia ter, vemos as imperfeições, as marcas que o cotidiano nos oferece. As olheiras, já não consigo dormir pensando no que poderia ter sido, os lábios curvados para baixo, como um palhaço sem cor, a pele envelhecida de tanto lembrar o passado.
No final das contas sempre resta o obvio: Um cabo de guerra partido ao meio, com os dois lados perdedores, sofrendo as mesmas dores. Dois times fracassados na arte de compreender, o que seria o amor para quem sempre guerrilha? Um monte de regras, pedaços de papel queimado , ou apenas mais um jogo. Jogo que sempre perco. Não teimo mais com o destino, doei minhas pernas e agora vago cega e tola pelos caminhos que me colocam na frente. Como qualquer coração vagabundo e abandonado eu prossigo, sendo forçada a aceitar que as roupas já estão no meu corpo tempo demais para serem reivindicadas. O amanhã....
Ligo o chuveiro e deixo a água lavar qualquer impureza do meu corpo, as dores, as péssimas lembranças, o seu dedo indicador no meu nariz, seus dentes me rasgando. Consigo finalmente arrancar minhas velhas peças de pano, pano rasgado, e com algumas gotas grossas caindo pelo meu corpo molho o banheiro e deixo o chão ser lavado para esquecer as cenas que ele já suportou. Me seco com calma e cautela, cada parte limpa significada um pouco menos de você em mim, cada parte limpa significada um pouco mais de mim. Relembro tudo o que passamos, uma retrospectiva de quando eramos um só, me canso e jogo a toalha no chão, desistindo de tudo o que um dia consegui sentir.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Ghost.



As memorias, fotografias e risadas encontram-se mortas agora, cinzas como pó. O navio fantasma ancora e me esmaga contra as paredes, meu fraco peito envelhecido relembra mais uma vez o brilho furioso de seus olhos tão calmos. Eu sinto a brisa refrescar, enquanto que o sol queima minha pele. Por que todas as recordações são tão difíceis de serem esquecidas?
Eu questiono o meu passado tentando juntar as peças que faltam, as vezes eu esqueço de alguns detalhes. E esse navio fantasma que me visita com tanta frequência, onde estão as suas cores? Eu não vejo o seu capitão, tripulação ou passageiros, aonde está o furo? O navio fantasma nunca afundou, esteve escondido em algumas ondas, usando a neblina para se camuflar. Mas o sol sempre aparece, o verão, ele sempre traz consigo a maldita claridade que me cega. Meu navio fantasma, quantos corpos já enterrei? Estão com você todas as pessoas deixadas para trás? Meu navio fantasma anda tão sujo, abandonado. Creio que o esqueci com o passar do tempo. E eu sinto de novo a falsa sensação de sentir alguma coisa, a falsa impressão de ter sido alguém, a falsa ilusão de ter vivido.
Meu navio esteve durante tanto tempo esquecido, vagando pelas gavetas da displicência. Mas agora, como se nada fosse mais importante do que me assombrar, ele atraca em meu peito. Eu não posso deixar que ele me drene tanto, eu contemplo pela ultima vez sua carcaça enferrujada e sigo o ritual esperado: Puxo sua ancora e prendo suas correntes, está na hora de desaparecer novamente, meu bem.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Um quarto.


Era uma manhã de quinta-feira nublada e fria, um daqueles dias que você demora para levantar e reflete na vida, foi quando eu lembrei, mais uma vez, das cenas que marcaram o mês de outubro. A chuva não parava de cair e o som era quase como uma música clássica rompendo aquele silencio habitual de dois estranhos, mas não eramos estranhos. A meia luz iluminava apenas metade do seu rosto, meio homem, meio animal. Eu como sempre fui predada, me deixei ser caça abatida, meio morta-viva para poder te ter novamente, agora tudo faz sentido: A meia luz, as cortinas esvoaçando, a cama pronta para ser desarrumada. Eu me lembrava do cenário, das falas, dos personagens... Me reviro na cama com vertigem, não era nojo, era um prazer agonizante de ter mais uma vez os lençóis me cobrindo e o seu riso em cima de mim.
As suas mãos deslizando por mim como se fossem gelo derretido, as tabuas de madeira que guardaram em sua estrutura o nosso segredo, o espelho maldito que nos refletiu e me mostrou quem eramos de verdade. Por que, por que é sempre tão difícil? Meu cabelos enrolados em seus dedos e seus olhos me encarando, como se eu fosse o demônio e você o crucifixo, sua boca me mentindo e minha carne desfalecendo. A luz amarelada fazia com que a lua fosse apenas uma lampada, você sempre tampou a claridade. Depois de tanto tempo separados, voltamos para o mesmo quarto de motel barato que frequentávamos. Não é amor, é escravidão.
Termino minha reflexão barata sobre tudo o que aconteceu, levanto com desejo de você, com vontade de lençóis limpos e janelas abertas, com desejo de cortinas quietas e sem vento arranhando o vidro. Me olho no espelho tentando disfarçar o olhar de reprovação que eu mesma me lanço. Percebo que não acordei apenas para ir trabalhar, acordei para uma outra vida, um tormento que é viver no abismo do teu amor.