quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Navalha na carne.


Eu vou sussurrar em seus ouvidos e você escutará apenas a força dos seus desejos. Por hora, eu vou te consumir e te fazer implorar por línguas afiadas que rasgarão sua pele, somente agora esse espelho irá refletir toda angustia dentro do seu peito. Eu vou esperar a noite cair para ver seus olhos fechados se abrirem em minha presença, eu vou contemplar suas pernas e marcar seus batimentos cardíacos só para afirmar que a minha pele te nocauteia.
Eu serei a cura para todas as suas enfermidades, o remédio para a suas feridas... Eu irei te curar e te adoecer novamente. Eu vou te mostrar os meus dentes e o medo terrível que ocupa a minha boca, e a tua saliva pura e inocente passará a ser vil e vermelha, como sangue em tuas veias. Eu vou te derrubar no chão e sentir o impacto do seu corpo na madeira, e verei a sua agonia em silêncio por ter se rendido mais uma vez a mim.
 Eu ocuparei o lugar de destaque em sua vida, arrancando-lhe as roupas, descabelando-te por inteiro, te vendo derramar gotas grossas de prazer e tristeza. Eu serei o desmanche da sua cama, o motivo da falta completa de consciência, serei a ressaca maldita que te faz acordar.
 Por fim, eu serei a tua navalha na carne, o ponto forte da sua loucura, o medo da altura e a redenção aos pecados. Derramarei em ti todas as injurias do mundo, te dando olhos de prostituta e coração de aço: sem paixão, sem amor, sem movimento que te mantenha vivo. Te farei máquina morta de pensamentos e individualidade. Te deixarei nu e gozarei de todas as suas verdades, pois eu sou pele morta em navalha, eu sou carne crua que te fere e maltrata, sou o espelho maldito que reflete suas impurezas, que te cospe como um ladrão, que te mente as suas certezas e que te engana como brisa leve de verão.

sábado, 8 de dezembro de 2012

O grito do silêncio.

Encontro-me em uma banheira imersa pela água, sem nada que cubra as minhas verdades. Os meus cabelos pingavam, os olhos injetados pelo vinho barato que acabara de tomar, a fumaça pairava no ar. Como aquele silêncio me fazia bem, demorei longos minutos para perceber que a vitrola tinha parado de tocar, demorei longos meses para abrir a minha boca novamente. Eu relembrei a nossa história, as palavras destorcidas cortadas pela minha língua afiada, as mãos entrelaçadas em público não devendo nada a ninguém, o maldito silêncio que ainda me atormenta.
 Quantos foram os sorrisos que eu já não calei, só pra você não perceber o obvio? Apenas minha garganta sabe o peso dos discursos que eu teimo em guardar em mim. Juras de amor, pedidos de perdão, o desejo de você ficar mais cinco minutos... O silêncio em te ver dormindo. Se ao menos você ouvisse o que eu não digo, se ao menos você lesse o seu nome nessas linhas tortas, se ao menos eu soubesse o motivo da sua cala... Se é indiferente ou falta de conhecimento, se é reciproco ou mero passatempo, se é paixão ou um pobre devaneio.
Acontece que aconteceu, eu fui obrigada a sair da inércia, obrigada a secar meus cabelos e a derrubar o vinho em minha camisa branca. A mancha vermelha ficou e a minha angustia também. Eu precisei me cobrir com a toalha, reanimar a vitrola, apagar o cigarro para ver que atrás de tanta fumaça, de tanto silêncio forçado, existia apenas um desejo.... Você.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A dama e a lotação.

Era uma vez em um passado não muito distante a história de amor de dois estranhos que se encontraram na lotação da lataria. A chuva caia de maneira descomunal, a cidade quase alagando, os cabelos desarrumados pelo vento, o guarda-chuva meio quebrado pendurado no pulso dela, nada sugeria que em um fim de tempo o coração ia bater mais forte. Alguns pontos a frente do que ela entrou, subiu um rapaz, distinto, misterioso, olhou-a de maneira intensa e tímida e sem dizer uma palavra os dois jovens foram seguindo viagem. O desconhecido esbarrou na dama sem querer, pediu desculpas e abriu um sorriso, ela contemplou aquele momento como se fosse o primeiro da vida deles, mas não teve coragem o suficiente para perguntar-lhe o nome. A chuva continuava caindo e o ônibus sempre correndo, em uma freada brusca, ela quase caiu e quando olhou pra cima, viu o amor da sua vida. A partir daí vocês já sabem o que aconteceu, assim como toda história começa com "era uma vez" termina com um belo "final feliz", não é preciso contar mais nada......
 Só que a história não terminou com um final feliz, o "era uma vez" martelou apenas uma vez na minha cabeça, até o sujeito abrir a boca e soltar uma voz completamente sem expressão e mostrar um sorriso horroroso. Eu ri da situação. Ri quando ele desviou o olhar quando eu olhei pra ele e ri mais ainda por fantasiar com um desconhecido, ri da minha má sorte, ri da minha infelicidade, ri dessa situação constrangedora que só se passou na minha cabeça. Quando passei pela curva em alta velocidade, eu parei de gargalhar internamente e percebi o que de fato estava acontecendo: Não era o dente separado ou a voz sem força, não era o olhar desviado, nem a falta de cavalheirismo, era você. Você era o motivo das fantasias com desconhecidos, da vontade de querer ocupar a minha cabeça com outra pessoa, qualquer um era mais acessível que você. O "era um vez" martelou uma única vez para nunca mais, não importava se eu tinha uma pessoa aos meus pés aturando minhas mudanças de humor, ou outra completamente satisfeita em me ter por perto, nenhum desses seres seria você. O motivo do meu silêncio, da minha vontade de permanecer sozinha, a origem e o fim de todos os meu pensamentos, era você. Se ao menos soubesse, se ao menos eu tivesse timbre suficiente para falar ou sussurrar que você é a razão de tanta cólera.... Mas eu não tenho essa coragem, enquanto isso eu deixo o "felizes para sempre" nos contos de fadas e continuo com a esperança de não ter que escrever o ponto final.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Até que o mundo acabe.

O tempo não era dos melhores, trovoava e relampejava. Eu contava, 5 segundos, 5 metros de distancia, estava se aproximando. A chuva ameaçava cair, mas ela não é como um cão que rosna e não morde, ela viria de uma forma ou outra. Eu tinha duas opções: Ficar na inércia e ver se o telhado ia ou não sair voando pela rajadas de vento, ou me aventurar no meio de uma cidade que entra em caos quando o tempo vira. Preferi ver a tempestade do lado de fora da bolha, eu tinha esquecido o meu guarda-chuva e como se fosse marcado no relógio, assim que sai do meu abrigo o primeiro pingo cai em meu couro cabeludo. Eu deveria ter seguido o conselho da minha mãe e ter levado o guarda-chuva na bolsa, as mães sempre tem razão, pensei eu enquanto corria.
   O vento era demasiadamente gelado, mesmo com calça e casaco sentia-o de encontro ao meu pulmão, de certa forma era acolhedor. Batia apenas quatro da tarde e eu sentia que já estávamos de madrugada, eu adoraria fugir disso tudo, só acelerando o relógio. Comecei a correr mais rápido, as luzes dos postes, as poças que eu sempre teimava em pisar, aquela chuva grossa e vento que tentava me derrubar, eram sinais claros que se eu não estava em um filme de terror de péssimo gosto, era o fim do mundo. Sim, o mundo estava acabando e eu corria para lugar algum.....
 Eu sempre fui assim, desde pequena, mal aprendi a andar e comecei a correr... Corri em meio a tropeços e arranhões, joelhos e cotovelos já tinham a vermelhidão que era a minha marca registrada. Meus pais me achavam apenas desastrada, mas eles não entendiam que o que eu realmente queria era ser mais rápida do que a realidade. Passei a correr para alcançar os meus amigos de escola, para ser a primeira a subir no castelo, para ficar no melhor lugar. Hoje em dia eu corro contra todos eles, corro contra os sorrisos mesquinhos que vejo em seus rostos tão patéticos, corro para descer mais rápido, já não preciso do melhor lugar, corro para encontrar o meu.....
 Passo rápido demais em uma poça e quase caio novamente, sinto que é um maldito sinal de que tudo irá voltar. Eu nunca aguentei o meu modo de viver, sempre me senti livre, mas nunca fui. Eles colocaram padrões e me fizeram acreditar que eu era livre dentro deles, eu era mais feliz quando não sabia disso. Continuo a correr, tenho plena consciência que meu celular está encharcado, tento liga-lo mas parece que a água deu cabo de sua vida, coisa que eu sempre tive vontade de fazer.
  Como eu já estava cansada de correr, cansada de ficar sem ar e as pessoas não entenderem, cansada da minha visão turva, me escoro numa parede, eu estava em um beco escuro iluminado apenas por uma lampada que brigava contra a tempestade. Eu queria tanto voltar para a minha bolha, maldito fim de mundo que me deu coragem para essa aventura. Enquanto mil pensamentos se contraiam em minha cabeça, uma coisa se mexeu, no beco uma coisa se mexeu! Eu esperei ansiosa para saber qual era o meu destino, já que era fim de mundo mesmo que eu aguentasse o que estivesse a minha espera. Grandes olhos castanhos surgiram na minha frente, seguidos de roxas olheiras e uma pálido cadavérico no rosto... Não era a morte, não era o fim do mundo, era uma coisa muito pior. Era a mentira dissolvida na chuva, era a realidade me encontrando e me arrastando. Já não sabia se estava louca ou completamente sã, passei anos tentando mostrar aos outros o que eu via agora, uma versão minha corrida pelos registros brutos de uma sociedade mesquinha. Eu via canceres em sua pele e agrotóxicos em seus lábios, eu via todos as doenças que o ser humano inventou e colocou a culpa na natureza, eu via o consumismo, o materialismo, todos os ismos e sismos que todos nós decoramos enquanto dormimos. Eu via a realidade e ela me encarava de volta, já não sentia mais nada, não haveria droga em farmácia suficiente para me convencer de que aquele puxão não fora verdadeiro. Puxada pelos cabelos eu entrei na realidade e eu detesto quando puxam meu cabelo.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Enquanto você dorme.





A frente fria estava chegando mais uma vez, não importa se é inverno ou verão, aonde eu moro o calor e  o frio se cruzam todos os dias. Eu adoro a neblina que fica de manhã na minha janela, o sol por trás dela deixa a minha manhã mais poética e o seu rosto mais livido. É claro que eu só consigo ver essa beldade nascer por que você sempre rouba as cobertas e eu acordo com frio e não consigo mais dormir. Não importo em levantar cedo, gosto de brincar com seus cabelos enquanto você não desperta, gosto de ver seus olhos fechados e sua boca muda, sem querer ofender. Eu tenho uma vontade enorme de acender meu cigarro e gravar essa imagem em minha cabeça: O céu meio azul, meio laranja, a nossa jasmim na janela pronta para ser regada, suas costas nuas protegidas por um fino lençol. O cheiro do meu cigarro te  faria acordar e eu preciso gravar isso em silêncio, como os filmes mudos que você adora inventar falas. Já são quase 6:00 da manhã e eu não me sinto cansada, a noite passada foi um tornado, acendemos um fogo perigoso e ele quase se apagou. Eu não me importo de levantar cedo e dormir tarde, não importo de aturar seu mau-humor, ou seus mistérios que me fazem entrar em desespero, não me importo com seu olhar atento a todos, só me importo com sua pele e com você todo.
 Agora acorde meu amor, mostre teus olhos pra mim, deixe eu sentir seus lábios e ver você se espreguiçando e abrindo os braços pra eu deitar, acorde e deixe seu sono para outro corpo, eu já te vi dormir muito, deixe sua energia para mim também. Acorde, acorde, quero poder colar meus ouvidos em teu peito e marcar seus batimentos cardíacos. Acorde, para eu poder sentir o cheiro da tua nuca e os músculos do teu braço. Agora acorde meu amor, abra os olhos para eu te encontrar e me perder, eu gosto do labirinto, mas amo a sua íris. Você não entende minha urgência, mas entenda, há um incêndio em nossos corações e eu preciso de seus olhos para ter a certeza, acorde para ver o que eu vejo! Acorde, meu amor, antes que nós sejamos queimados em silêncio.

domingo, 16 de setembro de 2012

Tempo.

Aonde quer que você esteja, meu bem
No paraíso, no sítio, ou ainda perambulando pela Terra
Eu espero que você saiba que sempre será meu pai, meu Rubem
E que nossa eterna batalha, jamais virou uma guerra.

Eu espero que você saiba, meu amor
Que não importa se foram em lagos ou praias
Se te rendeu sofrimento, sorrisos ou dor
Que você tenha encontrado com seu pirata.

Navegue no mundo e veja o que aconteceu
Foram tantos caminhos que essa geração percorreu
Herdamos os olhos, o cheiro e o sabor
Carregando no peito esse eterno amor.

Se falo de você não é por vaidade
Não importam os anos, existe sempre a saudade
Que me carrega e me leva até você
Por que no fim nossas linhas sempre vão transcender.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A água do meu vinho





Se ao menos eu soubesse o que passa em suas taças
Se são amores, rompantes, raiva ou desilusão
Eu apenas queria que meus pés criassem asas
Para assim eu desabar e cravar meu corpo em teu chão.

Se ao menos eu soubesse de onde vem a sua água
Para poder romper e acabar com seus espinhos
Penetrando em teu mundo, vendo sua alma
Afogada em tantos goles de vinho.

Queria eu ter as flores que vejo em seu olhar
Possuir a poeira do seu móvel antigo
Para acompanhar as pegadas do seu calcanhar
E alcançar por um último seu desejado umbigo.

Eu vou podando todos os meus galhos
E desta maneira, águo o nosso vinho
Queria achar alguns atalhos
Para eu poder encontrar o seu caminho.






sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Inocente amor.








 Os seus olhos guardei em um pote
E o seu corpo inteiro está em meu coração
Suas lembranças estão no meu caixote
E eu digo, suas orelhas nunca escutaram o meu Não.

Se te tenho comigo, te levo aonde eu for
Transgredindo dimensões, formando o laço eterno
Que me amarra e me ata ao teu inocente amor
Falando comigo no seu silêncio interno.

Tua vida habita em mim, minha fera felina
E não encontro em canto algum a tua malícia
Eu libero em ti a minha ocitocina
Tentando reviver a tua carícia.

Não tenho medo da morte, mas sim da inexistência
Que perpetua nos seres vivos e carnais
Vejo no seu olhar sua eterna essência
E a promessa de voltar a repousar no meu cais.




quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Antes que tudo termine.





Vocês devem entender antes de começar a ler este texto, que o início é apenas o fim e a vida na verdade é apenas um piscar de olhos....


.... Nunca pensei em morrer desse jeito, com sangue escorrendo, os olhos abertos e uma multidão á minha frente. Nunca pensei que uma bala atravessaria minha cabeça, um tiro que nem era pra mim.
   Acordei as cinco da manhã de uma quinta-feira fria e nebulosa, eu não sei se levantei com o pé esquerdo ou era a passagem de Vênus pela Terra que me deixou daquele jeito. De uma maneira sútil e desconcertante eu deixei o porta-retratos cair no chão e percebi que aquela foto já não tinha mais importância. "O que diabos aconteceu comigo?" foi a primeira coisa que eu pensei quando me olhei no espelho, os cabelos desgrenhados, o rímel borrado e indícios de que um furacão tinha passado por mim. Eu já não aguentava aquela realidade, eram cartazes de sorrisos, comerciais de pessoas felizes, novelas e mais novelas sobre histórias de amor que nunca existiram. Será que eu existi? Será que nós existimos?
 Eu  me arrumo para meu trabalho, saio de casa e vejo meu gato me olhando pela janela, malditos olhos amarelos que me invadem e me deixam tão perdida em seu pelo preto, eu queria poder entrar em seus pensamentos e descobrir de onde vem tanta calma, tanta ousadia. Eu amava aquele olhar, por que de alguma maneira me lembrava tanto você: Do seu mau humor habitual, dos seus inúmeros corações que eu podia amar, das suas meias pelo chão. Não adianta chorar pelo que passou, nem pelo tornado que se instalou no meu peito, você é passado e eu o seu defeito.
 "Chega" grito silenciosamente para mim mesma, "nada mais irá me lembrar você, nada mais irá me lembrar da minha vida vazia, do meu trabalho escravo, das minhas roupas chinesas, dessas arvores caídas e tristes, desses pássaros engaiolados. Do que me adianta ser livre se continuo presa em liberdade? Se a minha prisão são apenas minha idéias e lembranças de uma realidade que nunca existiu..." Eu nunca completei o raciocínio, eu nunca desejei morrer, apenas silenciar um presente que batia em minha cara, eu nunca desejei aquela bala em minha cabeça. Mas vocês devem entender antes determinar de ler este texto, que o início é apenas o fim e a vida na verdade é apenas um piscar de olhos e os meus cílios foram virados para você.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Nossos umbigos tão egoístas.



Eu queria plantar nos nossos umbigos uma cria de felicidade e simplicidade, eu iria regar com suas gotas essa minha muda tão calada. Eu iria prende-la com sua terra e usar seu olhar como adubo, por que não há nada mais divino do que a prisão dos seus olhos. Ela iria crescer verde e fazer dos nossos umbigos seu prato de flores e porto-seguro, mas nossos umbigos são tão egoístas, nós não permitimos que nada cresça neles e deixamos o natural no canteiro da rua. É assim que nossa muda tão calada cresce, sempre aos olhos de outros, nunca na nossa frente. Uma vez eu fui na esquina aonde a deixamos e ela já estava grande, colhi alguns frutos, uns eram doces, outros amargos, era a mistura de nossos sabores.
 Depois de ter visto a natureza fazer seu papel fora de mim, eu percebi que estou presa nessa grande caixa que é meu coração, se o errado vem eu digo sim, se o certo vem eu digo não. O que o meu umbigo teme é a mesma coisa que o seu: Que seja apenas um arbusto, sem frutos, nem cor. O meu problema é que eu adoro o verde e fico fascinada quando o encontro em você e o amarelo do sol já não me cega mais, nem o vento frio corta a carne.
Eu sei que em algum lugar, em algum umbigo menos egoísta e medroso ou em algum canteiro mal cuidado, o nosso arbusto ou arvore cresceu e agora da sombra para quem sofre com o calor, como eu. Nosso arbusto de sonhos cresceu e se escondeu da gente.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

A máquina de homens

Todos nós evoluímos, perdemos a maioria de nossos pelos, alguns já não tem siso e o mais importante: aprendemos a pensar. Construímos prédios, criamos raízes, louvamos um Deus e nos matamos.
 Levantamos impérios e destruímos o natural, nossa comida que é tão farta e rica, nos mata lentamente com seus pesticidas e melhoramentos. O homem brinca de Deus e sinto que Deus brinca de ser homem. Nosso ar cada vez mais poluído, nossos rios são negros e nossas florestas vazias, será mesmo que aprendemos a pensar, ou apenas a matar?
  Tantos anos de evolução, tantos sacrifícios, olhem nossas máquinas! Rádios, televisões, internet, temos o mundo em nossas mãos e mal sabemos usá-lo. Aproximamos os mais afastados e isolamos os mais próximos, qual é a nossa lógica?  Avançamos a passos largos em tecnologia, mas nossos corações endureceram e nossas almas se tornaram nulas. Quantas pessoas nós vemos pregando a palavra de Jesus, quantas delas amam o próximo como a si mesmo? Fomos invadidos pela hipocrisia, mentiras, ciúmes e ganancias. Somos homens e lobos, corremos atrás do nosso próprio rabo. Batemos nosso cajado no chão, mas desviamos os olhos de nossas atitudes, coloque na mão de Deus, esqueça suas atitudes.
 Falamos mais do que fazemos, destruímos mais do que qualquer coisa. O ódio, a cobiça e a ganância nos dominaram, entrando em nosso DNA e passando essa maldição para nossos filhos. Falhamos muito, mas poucos tentam reparar isso, nos tornamos cegos que tateiam navalhas, nos cortamos e não sentimos, somos uma morfina ambulante. Somos todos reis e rainhas de fantasias, somos a mente que sonha, a mão que derruba, a árvore da vida. Somos tudo e não somos nada, somos na verdade completas máquinas.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Conto do Vigário.

 Era uma espécie de furacão de sentimentos, um misto sinistro de mentira e ganância, percebo aos poucos que me tornei adulta. Não digo isso pelas contas a pagar, a fila a esperar, ou as responsabilidades, digo isso por que só quando crescemos é que descobrimos do que o ser humano é capaz de fazer: Enganar. Amamos coisas e usamos pessoas, escolhemos nossas roupas, gastamos nosso tempo e juntamos dinheiro, para que no final das contas todos terminem da mesma maneira, mortos.
A verdade é que a mesma mão que te abençoa é a que te derruba, e a vida vai te oferecer as mesmas coisas que você oferece a ela. Seja um ilusionista e viverá conforme suas idéias, uma vida iludida que mais cedo ou mais tarde vai te tombar e podar seus ramos negros e amaldiçoados. 
 Não adianta fingirmos ser o que não somos, é como aquela velha história do vidro que se passa pelo diamante: Pode imitar a beleza, mas jamais terá o valor e a rigidez que ele possuí, se cair quebra e não existe mais. É exatamente assim que algumas pessoas são, comuns pensando que são raras e caras. O seu valor não está nas suas palavras, nem no seu trabalho, está em você, por que você é aquilo que você faz.  
Plantamos o que colhemos e o seu fruto é amargo e seco, assim como seu caráter. Foram tantos jogos, quantos você já massacrou? E dessas batalhas, quanto de você te restou? Se foi pouco ou nada mais, eu já não sei, mas sinto pena e nojo do Vigário que eu encontrei.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Eu tentei. Tentei de todas as formas mostrar que sou outra pessoa, com outros pensamentos e sorrisos. Tentei me reescrever e consegui. Me tornei personagens e me encontrei neles: Mocinhas, vilãs, desprotegidas, perigosas. Eu tentei, tentei te avisar dos perigos que eu trazia comigo e do silêncio que acompanha minhas vírgulas. Eu tentei te avisar de tudo, porém esqueci da minha inconstância e do meu orgulho, meu bem. E eu te avisei tanto, querido, que suas palavras não te salvariam do grande purgatório que é meu coração.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Contratempo.

Quando o seu tempo for o meu, querido.
 E o meu relógio entrar em você
 Então nossos ponteiros irão se encontrar
 E quem sabe os primeiros cinco segundos de surpresa
 Voltem para o seu rosto.

 Não quero meus olhos perdidos na noite cinzenta
 Nem meu corpo nu sozinho em uma cama quente
 Abraços e afetos são distribuídos enquanto nos vemos.
 Depois restos, nada mais.

 O resto do seu dia e de suas horas livres
 O resto das pernas e braços caídos pelo caminho
 O inicio de dentes se escondendo e as ameaças vivendo
 O fim do que veio carregado pelo vento.

 É o inicio, o meio e o fim do tempo
 O tempo dos olhos apaixonados e das mãos grudadas
 O tempo da cama fria à sua espera
 O tempo agoniando de ter que esperar algo que nunca vai aparecer.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Cidade

Hoje eu resolvi ser rebelde, e atravessei sem olhar para os lados. Hoje acordei revoltada e fui incapaz de dar bom-dia para o motorista do ônibus, ou ajudar com as sacolas da minha vizinha idosa. Abri os olhos já de saco cheio da vida e de toda a minha educação exagerada que ninguém percebia, eu sorria por que sempre imaginava a outra pessoa sendo estrangulada. Cansei dos meus passos falsos e incertos, joguei com força e intolerância o meu cigarro no chão, dane-se que irá sujar a cidade ou não, os prédios cinzas já acabaram com sua imagem. Fui pro trabalho querendo esganar meu chefe, todos os dias, no mesmo horário eu pontual, menos o meu salário. Cansei se escutar as buzinas apressadas, as pessoas caladas, cansei do som barulhento que as pessoas tristes fazem com seu silêncio. Fui caminhando rápido pra casa, a velocidade fazia com que eu esquecesse um pouco o rumor ao me redor, vejo a avenida de relance: O mendigo, o taxi parado e puta sem cliente, quanto clichê para uma cidade tão grande e medíocre. Hoje eu não resolvi ser rebelde, resolvi mesmo ser covarde e me esconder dos meus princípios, resolvi deixar a maquiagem borrada e o cabelo desgrenhado. Resolvi ser como todas as outras pessoas omissas que eu vejo e não conseguem se reconhecem no espelho, por que ao longo dos anos seja a maquiagem visível ou não ela borra e te desmancha junto.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Borboletas

Procurei por sinais em todos os cantos do mundo, em esquinas sujas, em becos escuros e até no circo da cidade, porém nada achei. Amores em pernas cruzadas, inimigos de braços abertos, sorrisos escancaradamente falsos e a desconfiança sempre presente, foi tudo que eu consegui encontrar em meu castelo de pedras. Eu abri a janela para o vento refrescar e deixar que a luz da lua transparecesse minhas dúvidas, eis que sem esperar me aparece um ser mais leve que uma pluma. Sem perceber já estava em meu quarto, não pediu licença e muito menos permissão para ficar, me rodeou e pousou calmamente no calor da lâmpada, será que finalmente minhas borboletas estão voltando? Contemplei com atenção seus leves movimentos, a graciosidade de sua beleza. Capturei hoje minha primeira borboleta e a soltei, não se pode prender quem nasceu para ser livre. Eu a carreguei até a janela, ultrapassei as grades e ali fiquei esperando ela alcançar voo. Esperei em vão, estagnada ela ficou e me contemplou de volta, como se soubesse do que eu precisava, ela preferiu ficar, para que servem as asas senão para voar?

terça-feira, 1 de maio de 2012

Tire-me as algemas.

Eu não gosto de ser escrava presa a correntes e a troncos que as pessoas me obrigam a usar. Eu não gosto de ser controlada como se eu fosse um personagem de um jogo ou a donzela de um filme. Eu detesto ser presa as mesmas ideias, aos mesmos olhos e sorrisos. Eu preciso me reinventar e reinventar o que está ao meu redor. Já perceberam a necessidade de controle que as pessoas tem? Hoje em dia é mais fácil você achar alguém que queira controlar a sua vida do que acompanhar. Esquecemos o por que de estarmos presentes na vida um do outro, amigas que sufocam, namoros que são tratores, pais que são leis. Sejam leves e livres, sem algemas ideológicas, sem mãos apertando pulsos, não sufoquem seus semelhantes. Eu detesto essa sensação de prisão que as pessoas impõem, qual o real motivo de você prender alguém? A resposta é simples: Insegurança. Ninguém teme o que está preso a si, cria-se medo pelo que não existe, pela dúvida, pelo escuro que a liberdade gera. Seja o seu próprio breu, passe por lugares que você nunca pensou em passar e de voltas no seu subconsciente, é perdendo que a gente se acha. Desprenda-se dessas correntes imaginárias que as pessoas te colocam, o amor nasceu para ser livre e não controlado. Não tem como a gente controlar a paixão, o medo, o ciúme, muito menos a infidelidade. Doe oxigênio e seja feliz! Não existe nada mais triste do que uma pessoa roxa por asfixia de controle. Desamarre essas cordas em seu pescoço, seja livre mesmo que todos te digam o contrário, é muito fácil ser feliz no claro. Seja feliz com os olhos vendados confiando em quem te guia e não em quem quer te guiar, por que a vida é assim mesmo, as vezes o barco navega, as vezes ele afunda.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Devolva-me as borboletas.




Eu sinto uma saudade enorme de minhas borboletas, elas tinham tantas cores! Umas eram pretas, outras purpuras e algumas até mesmo azuis. Que saudade de sentir suas asas batendo dentro de mim, como se eu fosse levantar voo e mudar de lugar. Não se pode prender quem nasceu para ser livre e elas voaram, voaram para muito longe e se desencontraram de mim, quantos anos já passaram? Eu já não sei ao certo, que saudade de sua leveza e do frio que me dava. Eu libertei minhas borboletas no momento em que desisti de ser presa, ser presa a mesma pessoa, aos mesmos hábitos, ao mesmo cabelo. Mas agora eu peço que voltem, minhas pequenas asas flutuantes, por que eu sinto tanta falta do embrulho que vocês me davam, como se as minhas borboletas fossem montanhas-russas.
Devolva-me as borboletas! Eram minhas e suas também, crescendo dentro da minha barriga e me fazendo alcançar brilhos que eu nunca pensei em ver. Devolva-me a purpurina que caia sobre nós dois, devolva-me tudo que me faz sentir. Devolva-me pois é meu por excelência, mérito do coração.
Voltem minhas borboletas voltem pro meu prato de flores, pro meu ventre voltar a congelar e se revirar com apenas um pensamento, voltem para o lugar de origem, pois foi em meu umbigo que vocês alcançaram voo. Voltem minhas queridas, pois sem vocês eu já não sou nada e passo as madrugadas pensando em quais ventres vocês reviram agora.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

A falta que me faz.




Sua falta me deixa completamente debilitada, amor. Parece que foi ontem que eu vi seu corpo pela última vez me acenando, espere... foi ontem mesmo. Como vou sobreviver sem você? Sem seus cabelos em meus lençóis, sem suas unhas em minha pele, sem seus dentes em meu sorriso. Você se lembra como nos conhecemos? Eu também não, foi rápido demais, instantâneo demais, como o miojo que você sempre faz pra mim. Eu deixei as janelas do quarto abertas, eu sempre soube o quanto você gostava do cheiro que a rua trazia, você dizia que era um misto de desconhecido e prazer. Eu deixo o seu cheiro misterioso entrar no meu quarto novamente, mas fecho o armário que é para o seu perfume não escapar também.
É difícil viver tudo isso sem você, ver o sol se por sem te ter ao meu lado, ver as sombras mudando sem ter seus olhos para acompanhar, deitar na cama e não sentir o formato do seu corpo. Eu não aguento, me confesso com meu único outro melhor amigo sem ser você, meu travesseiro. Deito minha cabeça nele e deixo tudo o que está preso em mim se soltar, são tantas lágrimas perdidas!
Choro agora não só por você, mas pelas outras vezes que eu me sequei por medo de parecer fraca, choro pelo machucado no joelho de quando era criança, choro pela briga que tive com meus pais, pela morte da minha cachorra e por você. Não que você tenha me feito algum mal, longe disso, mas eu choro pelas lembranças contidas, pelas fotos que nunca vão parar de falar expostas na comoda, pelas discussões patéticas que eu sempre começava, choro simplesmente por chorar.
Eu seco minhas magoas e tento aproveitar um pouco mais de você antes que o tempo realmente te leve embora, aproveito a bandeira do seu time pregada na parede, o quadro que comprou de um idoso só porque ele precisa de dinheiro, o furo que você deixou quando martelou errado uma única vez. Eu contemplo tudo, não sei mais por quantos dias ou anos você vai me acompanhar. E eu queria te esperar, como eu fazia todos os dias, mas a vida segue e se eu não for rápida o bastante perco o meu trem... Ontem eu te tinha em meus braços, hoje te tenho em tumulo.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Seja.

Quantas vezes vocês já se flagelaram? Quantas vezes ficaram a margem de si mesmos, só para não abrir outra ferida? Quantas vezes você já tiveram certeza nessa vida? Não adianta se crucificar pelo que já aconteceu, o seu passado não te condena, quem faz isso é você.
Eu mesma tento me reinventar o tempo todo, pulando de fase em fase, mudando olhares e sorrisos, é me perdendo que eu me vou me achando. O único triste disso é quando você vira um fantasma, interpreta uma parte de você que já não existe, ficou no passado silencioso. Quantas vezes você já foi um fantasma? Essa é a pior traição que eu possa imaginar, doar uma parte de si que não existe mais. Não é medo de viver, mas de se expor, abrir todas as feridas e deixar sangrar. Conto nos dedos as pessoas que me conheceram por inteiro. Eu me neguei, não só para os outros, como pra mim também, fiquei olhando um personagem, como se eu fosse a atriz principal e a plateia ao mesmo tempo.
A maior prova de amor que eu posso dar pra alguém é a liberdade, que seja livre e voe! As vezes as pessoas voltam, outras vezes se esquecem. E a vida é feita disso mesmo: De encontros e despedidas, de amores e de azedumes, de alegria e depressão. E você vai fazer o que, fechar as cortinas e se negar pro mundo? Acorda, quem vive sua vida é você, seja a metamorfose que for, mas nunca esqueça o seu valor e os seus princípios, por que uma hora você esquece quem realmente é e faz com que as marcas do seu passado fiquem presas em você, te deixando parar de viver.

sábado, 7 de abril de 2012

Boneca VI



Eu demorei um pouco para entender o por que fui deixado tão bruscamente, mas agora entendo com um pouco mais de clareza. Boneca era seu apelido por que era um doce e eu podia usa-la como bem entendesse, até mesmo quando ela não queria. Eu via nela todo um chamado para o sexo, o modo como abria suas pernas, o jeito que tirava suas meias, ou até o olhar desprotegido para um estranho. Ela cheirava libido e eu era um velho desocupado, eu adorava o cheiro de morango do seu chiclete, ou o aroma do seu perfume natural de mulher, ela era tão nova e eu tão tolo! As vezes eu me pergunto se a tratei como ela merecia, neguei-lhe tanto amor e ofereci tantos tapas e arranhões... Não me admira que agora eu esteja sozinho.
Minha Boneca não sabia seu valor por inteiro, ela sabia o que exercia sobre mim, mas não sabia o quão valiosa ela era. Quantas vezes minha Boneca virou minha Putinha, vulgar, vadia, solta na cama, mas presa pelos cabelos. Eu fazia isso para diminui-la, para me sentir forte, ver as veias em meu braço e as tiras vermelhas em seu rosto. As vezes ela não se negava, outras me cuspia e me odiava... Hoje em dia eu também me odiaria. Ela falava que não importava se eu fosse mal com ela, se no fundo a amasse, ela falava que eu podia bater-lhe, tirar-lhe as calças e arrancar-lhe a pele que se no fundo ela fosse minha mulher, para ela estava tudo bem.
Como as mulheres mentem, eu podia ver nos olhinhos dela o quão desprezível ela também se sentia, ela não estava só. Eu era muitas vezes um canalha por violentar com tamanho desejo sua carne, sabendo que ela, mesmo aproveitando o gozo, era complemente fiel e possessa pelo meu amor. Ódio, mil vezes ódio pelo meu olhar vazio e meu sorriso canastra enquanto que ela se contorcia de prazer e de lamentações por não conseguir se desprender de correntes imaginárias.
Eu tolo, sempre tolo, acreditei que mesmo minha Boneca sendo tapete e vadia, ela continuaria ao meu lado. Eu não sei em que momento ela se esqueceu de mim, ou se algum dia lembrou. O problema maior sempre fui eu, essa minha necessidade de ser homem e ela menina, uma menina! E eu abusando-lhe o caráter e o amor-próprio, observando sua fruição e a deixando cair em braços vazios, pois eu era incapaz de segura-la, conter-lhe uma vez na vida.
Eu não era suficiente, nunca fui. Talvez se eu fosse outro homem, um homem mais triste e menos confiante, um homem com mais amor e menos cigarros, talvez ela ainda estivesse do meu lado. Mas o que iria adiantar? O tempo é cruel e não perdoa, eu ainda sou um velho, muito mais velho do que antes, mas agora ela já deve ser uma moça e goza e aproveita cada canalha que lhe cruza a fuça.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Boneca V



Tanto tempo se passou desde que minha Boneca se fora e mesmo assim lembro-me com detalhes de nossos passeios e aventuras juntos. Minha menina estudava no colégio da vizinhança, eu apenas precisava subir a rua 56 para escutar os gritinhos histéricos das meninas que estudavam lá, tanto barulho me deixava de mau-humor e cansado. O uniforme de colegial ficava perfeito em seu corpo que já estava tomando lugar e definindo suas formas, a blusa marcava a protuberância dos seios que ameaçavam aparecer e a saia rodada deixava a mostra suas pernas carnudas e tão brancas que refletiam o sol chamando a atenção das pessoas ao seu redor. Eu adorava ver minha menina voltando das aulas, a saia voando, os cadernos na mão e as duas tranças marcando o cabelo, uma típica ninfeta que não sabe o seu poder.
Algumas vezes eu fui busca-lá no colégio, ela me apresentava como um tio distante que veio a cidade apenas para visita-la e logo em seguida abria um sorriso por ver as amigas desejando tamanho interesse por um homem. Ela pegava a minha mão e falava: "Vamos titio, hoje você tem que passar a lição, está tão complicada!" e gargalhava com o segredo que só nós dois dividíamos. Eu adorava suas birras de menina mimada e o jeito que franzia a testa quando estava com raiva, ela ficava nua e corria até a janela falando que a liberdade estava na nudez e que eu não entendia isso por que era velho demais.
Nosso teatro em família levou a uma briga sem tamanhos, enquanto ela falava aos quatros ventos que eu era seu tio amado que sempre comprava chocolates e a levava para o cinema, eu precisava ficar escondido, se alguém descobrisse nossa relação eu certamente iria ser preso e perderia minha boneca para o tempo. Eu ralei com ela, fiz um discurso merecedor de troféu e falei que era pra ficar em segredo que era apenas para suas amiguinhas saberem para ficarem com inveja, que uma menina tão nova não pode ficar com um homem tão velho que tem idade para ser pai. Ela não aceitou ficou com raiva e pensou que eu tinha vergonha dela, levantou da cama, nua como estava, colocou a mão na cintura e falou "Pois se tem vergonha de mim, faz bem, arranjo outro velho para me colocar no colo e me acarinhar já que você tem medo do que os outros vão falar, aposto que arranjo um menos covarde que você", aquela cena me deu nojo e pena, tocou no meu ego e eu não consegui evitar, levantei a mão para bate-la e faze-la se arrepender pela palavras que ela me cuspia no rosto. Me arrependi de te-la ameaçado, com a mão levantada em direção a seu rosto, ela se encolheu como um animalzinho amedrontado e aquilo me partiu o coração e logo que abaixei a mão ela que me bateu e avisou que era mais esperta do que eu imaginava.
Não sei por que me recordo disso agora, se me olho no espelho consigo ver as marcas de seus dedinhos finos em minha bochecha e seus olhos cintilantes de raiva, consigo ver seus quadris dançando pelo quarto e seu olhar mostrando que eu era a caça e ela a caçadora.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Espelho.



Era uma tarde alaranjada, dessas que fazem a gente pensar no eu profundo e gargalhar por tanta complexidade, era um dia como outro qualquer, desses que a gente vê sendo engolido pela rotina e mesmo assim deixa passar em branco. As cortinas dançavam com o vento, me desafiavam, me chamavam para sua leveza, eu adorava o frio do chão e o ângulo que me dava daquela janela. A brisa trouxe junto um cheiro forte, um desses perfumes baratos que me enjoam só pelo fato de existir, eu senti vontade de vomitar quando lembrei que esse perfume era seu.
As mãos frias e ásperas em cima da minha coluna nua, prontas para me chicotear e me prender a algo monótono e otário, eu sorrio para não te assustar, se a sua iris visse o que realmente existisse, você também sentiria nojo de mim. Eu adorava te esperar sentada em cima do tapete que você me deu, não por que foi um presente seu, mas por que naquele pequeno círculo inúmeros outros aromas passaram e se deitaram comigo, deixando suas marcas. Você cego, nunca conseguiu ver aquilo e eu ria do desprezo interno que crescia, ria da sua pequinês, ria do seus mínimos pedacinhos presos em meus dentes, eu te mastigava e te triturava sem nem ao menos você perceber.
Foram tantos cortes que você tentou fazer, tantos arranhões e machucados e eu fingindo ser uma violeta amargurada deixando o pobre tolo estrear o seu fracassado teatro. Quanta burrice existia dentro da sua cabeça, quanta verdade inexistente, quanto excesso de amor próprio e falta de inteligencia, era tão divertido gargalhar com as suas atitudes.
A verdade é que eu queria ser um espelho, pra poder refletir todos os seus cabelos brancos e dentes amarelados. Queria te mostrar como suas risadas eram ocas e seu dedo indicador era tão podre, refletir como todos os seus jogos eram cansativos e patéticos, como você era visceral e anti-poético. Mas eu me contento com o meu silêncio, com as minhas gargalhadas internas e com as lembranças lúcidas de que o malandro, virou otário novamente.

sábado, 31 de março de 2012

Viva.

Tem muita gente que diz que entende da vida, do amor, de amizades... Mas será que é verdade? Me diz, quantas chances você já deixou escorrer pelo ralo por medo de tentar? Quantos amores você tornou proibido só para não ter o coração partido outra vez? Quantas vezes você vai precisar se negar?
Obviamente eu falo isso, mas também possuo meus receios, não gosto de amar, por exemplo. Não por que eu sou fria e insensível, mas por que quando se é muito intenso poucas pessoas, ou quase ninguém, entendem. É difícil tentar ser igual num mundo tão diferente, aonde as pessoas mudam os rostos com frequência. Promessas que nunca acontecem, desejos que ficam apenas na saliva, sonhos que permanecem de olhos fechados...
Acorda garota, quem não te ama não te merece! Mas isso não significa que você precisa fechar, e nem abrir as pernas, pro mundo a sua volta. Todo mundo um dia vai usar e ser usado, servir de tapete é uma escolha apenas sua. Presta atenção menina, que de menina não tem mais nada, existe um jardim cheio de flores esperando para serem vistas e ainda existem muitas lágrimas que você vai deixar cair, mas o medo de viver é a única coisa que você não pode deixar crescer.
Viva, viva o máximo que puder, se arrependa do que tenha feito e não do que podia ter vivido, de quase ninguém vive, por que quase não escreve história nenhuma. Então, viva garota, que a tua vida tá te esperando na esquina.

Boneca IV



Minha Boneca era minha e era a coisa mais rara que o mundo já viu. Boneca que grita, Boneca que instiga. Eu jamais conseguirei esquecer de suas manhas e de sua birra, minha Boneca era minha e só minha. Ela nunca me colocou algemas ou me prendeu, mas fazia questão de me torturar, chicoteando minhas costas, me ferindo por trás e eu como grande tolo e otário, a deixava me marcar.
Minha Boneca era minha e de mais ninguém, colocava suas pequenas sapatilhas e rodopiava em cima da minha corda bamba, eu não conseguia acompanha-la por diversas vezes deixei minha Boneca cair. Aqueles olhos falavam mais do que qualquer língua afiada, bastava demorar um segundo a mais para piscar e eu já sabia que uma correnteza de insultos e ultrajes iriam me banhar.
Sinto falta de suas pernas que tinham uma leveza tão grande que eu me sentia preso no ar que elas causavam, seus pés tortos pelo balé deixavam-na com ar de menina, embora já fosse uma moça. Eu ainda consigo ver seus dedos, todos eles erguidos para cima, prontos para me bater e escandalizar todos os meus medos. Boneca que julga, Boneca que massacra.
Eu adorava aqueles bracinhos finos, que vinham me apertar e me saudar todas as vezes que eu a via, eu me sentia amado pela minha Boneca sem cabeça. Minha Boneca possuía tantos mistérios, tantas revoltas, ela era uma tempestade e eu sua ressaca.
Eu aprendi a costurar com minha Boneca, selei todos os seus machucados, mesmo que alguns eu quem tenha feito. Nunca me esquecerei de suas saias esvoaçantes, dos cabelos desgrenhados, de suas unhas sempre pintadas de vermelho que cravavam em minha pele e me deixavam escravo de meu desejo. E eu seguia assim eterno tolo pela sua carne, minha Boneca já não existia mais, eu procurava em seus pés minha menina, mas havia esquecido que minha ninfeta já era uma mulher.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Mil caras.



Eram olhos penetrantes, daqueles que te fazem parecer isca e o anzol alcança sua alma, era o tipo de olhar que te fazia pedir clemencia e ajoelhar pedindo perdão pelos pecados. Eu queria aqueles olhos, eu precisava tanto deles quando daquela sensação, o ar empoeirado, o calor sufocante, as migalhas deixadas para trás.
Eu sigo teus passos como uma serva cega e tola, eu vejo as marcas e reparo nas tuas mãos elas me conduzem, me seguram pelo braço, me pressionam na boca. E eu finalmente encontro teus olhos sérios e inquietantes a única coisa que nos separa é um fio de ar, um daqueles ares que pode ser vento ou furacão, que passa carrega o que encontrar na frente e deixa os mais fracos desamparados. Eu precisava do furacão, de um turbilhão de palavras e gestos que me fizessem sentir de novo, sentir as outras faces, os outros sorrisos, os outros toques. Eu vejo todas as luzes e elas parecem me engolir como se eu fizesse parte de um desses filmes que nós não entendemos o final. E eu tragava a fumaça e a fumaça me tragava, eramos um só: O vicio e eu, eu e o vicio. E eu sentia tua mão na minha nuca me impulsionando para perto.
E a escuridão toma conta de mim de novo, o ar sujo, o salão lotado, os pés descalços, a lama me cobrindo, a música crescente nos meus ouvidos. Acordo e desligo o despertador, mais uma vez eu fui pega confundindo o meu imaginário com a minha realidade pacata e solitária.

quarta-feira, 14 de março de 2012

O grito.




Não importa mais as cores das flores, muito menos a forma de um feto, fechei meus olhos e calei a minha boca, eu me encontro em meu grito inexistente. Torna-se indiferente se os dias passam ou se os meses ficam, meu relógio quebrou e parede divisória foi destruída. Se a artéria foi obstruída ou o coração jorrou sangue demais, tanto faz, os dedos fechados e as mãos vazias são sinais do meu grito contido, tão rouco que não pode ser ouvido.
Os passos invisíveis apenas podem ser sentidos por outros tantos passos ausentes que só se tornam presentes pela falta sentida. Talvez a miragem seja isso, um desenho mal feito de uma caminhada sem fim para o silêncio que existe em mim. Eu vejo com meus olhos tão distantes línguas perfuradas pela falta de desejo e pernas sempre cruzadas por medo de ligações inesperadas. Eu vejo tudo, eu não vejo nada.
Pois já não sei o que é bom ou ruim, se faz bem ou se faz mal, se me faz viver ou é meu veneno mortal. Pois já não sei por onde seguir com tantos atalhos e becos escuros fica difícil de decidir. Eu já me calei, comi minhas palavras fazendo uma bíblia só minha, do meu veneno não beberás nunca mais. Eu já não sei o que é pior: esperar em silêncio o meu grito, ou ver meu grito morrer em silêncio.

sábado, 10 de março de 2012

Céu e terra.




Eu marco no calendário os anos que se passaram sem você, marco na parede o tempo que já se fora como um prisioneiro em seu desespero por liberdade. Já que você preferiu ir e me abandonar aqui como um cachorro a espera de seu dono, sempre ansioso por um afago, sempre esperançoso por uma visita, eu resolvi, depois de muito relutar, aceitar a proposta que você fez consigo mesmo e com o mundo. Aceitei sua discórdia e seu medo pela vida, aceitei seus segredos e seus desprezo imensurável, aceitei até mesmo as poucas lembranças vendidas que eu possuo.
Eu sei você já não pode me ouvir há muito tempo, e que há um tempo muito maior já não vivia e andava morto por onde passava. Pois veja bem, meu bem, se foi assim que decidiu que os olhos tristonhos iam se fechar e que o sorriso amarelado ia emudecer, eu aceito a condição. Teus passos já eram receosos demais e as certezas já duvidosas o suficiente para te fazer regressar a um estado monótono, quase débil.
Da mesma forma que você não levou nada do plano físico e material, eu tão pouco irei levar. Nada que eu possa comprar ou fazer irá mudar tuas atitudes passadas, atitudes baratas e arrependidas. Veja agora meu amor, quase uma década já se passou e eu ainda estou aqui te lembrando as memorias, não seria isso uma prova de amor maior?
Eu já não sei se no que eu creio é certo ou errado, e nem se um dia terei certeza de algo. Assim como o céu e a terra não se tocam, eu tenho a certeza que nesta vida não te encontro mais e dessa forma eu peço uma união de espíritos, quase um desejo profundo da alma para que um dia nossos destinos voltem a se cruzar e eu possa novamente ter tua mão envolta da minha.

sábado, 3 de março de 2012

Carta.

Acordei hoje pensando em quanto tempo se passou, se foram meros anos ou décadas seculares... Como as coisas mudaram, meu caminho já não é mais o mesmo e minha caminhada acelerou. Já fechei alguns capítulos desse grande livro que alguns chamam de vida, alguns personagens morreram e outros foram embora mesmo querendo ficar. Veja como entraram novas pessoas para me ajudar a preencher essas linhas, não conseguirem esquecer ninguém.
Eu olho para o meu passado, que saudades do meu ensino médio, que saudades da inocência do meu primeiro amor, que saudade de quem eu era. Olho as fotos e vejo muitos sorrisos, muitos olhos esperançosos, muito futuro guardado e agora que o meu futuro se tornou presente me vejo imersa em um mar de incertas. Não sei se vou conseguir realizar todos os meus desejos ou se um dia irei viver meus sonhos, mas a cada vez que recordo meu passado eu vejo os sinais e então eu entendo é a vida me mandando seguir em frente.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Boneca III


"Querido, espero que esse ainda seja seu endereço. Venho há tempos tentando escrever-lhe e contar minhas decisões daqui, precisa ver como o tempo me melhorou, não me reconheceria de maneira nenhuma. Quantos anos já se passaram mesmo? Não lembro muito bem, nunca fui boa de contas. Preciso contar-lhe benzinho, tentei te encontrar em todos os homens que tive, farejei corações, lambi orelhas, escutei amores derramados, mas ninguém brilhou meus olhos como você fez. Engraçado como o mundo dá voltas, não é mesmo? Logo eu que sempre fui seu táxi, você me pegava, dava algumas voltinhas e depois ia embora balançando as calças. Sente falta de mim, benzinho? Sente falta das inúmeras amantes que eu fui pra você? Imagino que sim, senão não retornaria a meu apartamento todos os dias só para lembrar da cama desarrumada. Preste atenção querido, você cavou sua própria cova e agora engula sua terra. Já não sou mais uma menina e muito menos preciso de seus cuidados ou lembranças, pare de me procurar em cada esquina, eu não estou mais do seu lado."
Minha Boneca me escreveu depois de tantos anos, eu não conseguia entender o que ela me falava na carta, eu tremia demais com a verdade e temia a solidão. Contemplei a foto que ela enviou junto, que imagem torturante! Seu corpo já mais maduro, com curvas e formas mais definidas, seus olhos sempre tão esperto, para quem será que ela sorriu quando bateram a fotografia? Já é a nossa segunda despedida, a primeira foi quando ela partiu, jogou todas as roupas em uma mala, derramou perfume em minha roupa e apenas disse "Me esquece". Pois não consigo esquecer minha boneca, tudo me lembra aquela garotinha. O sal que fica na pele depois da praia, a pele molhada de outra mulher no meu corpo, um coração pulsante querendo o meu.
Eu dei tantas coisas materiais, mas não era isso que ela queria. Eu neguei o seu maior desejo, que era o meu amor. Distribui migalhas jogadas ao chão e achei que fosse suficiente, ela nunca se contentou, se entregou por completo e eu apenas a entreguei esmolas. Aposto que seus amantes sofrem tanto quando eu, quem foi Boneca? O que eu fiz com a minha Boneca? Eu remendei seus retalhos e desabotoei seus segredos. Tudo isso para que meu coração termine no último ponto final de uma carta mal escrita.
Está é nossa vida, querida. Uma carta mal redigida, cheia de esconderijos e medos, cheia de falsidade e corações partidos. Eu sinto muito minha Boneca, eu fui incapaz de te segurar quando você fugiu de nós dois e agora eu vivo a te procurar.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Vida.



Viva que te quero, Vida
Já deitada descansa em paz
Vida, que te quero viva
Sua memoria aqui jaz

Durma agora e não se esqueça, meu amor
Que o teu brilho virou mais uma estrela
Acalma-te e cala mais uma vez sua dor
Que do lado de cá, estamos todos a te contemplar.

Vida, que te quero vida
Não me esqueça jamais
Viva, que te quero bem viva
Seja do meu lado ou em outro cais.

Volta Vida, com bastante vida
Para o meu ventre retomando seu lugar
Seja bem-vinda, Vida
E descanse em paz até eu te achar.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Olhe para o céu.


O relógio marcava oito horas de uma manhã cinzenta e nebulosa, seus olhos meio chorosos me encaravam e sua mão tremula segurava na minha com força e medo. Fiquei horas te contemplando, olhando o preto de sua iris, acarinhando sua cabeça, tocando nas orelhas, desfilando pelo nariz, sentirei falta de seus traços. Suas piscadas ficavam cada vez mais lentas e sua respiração diminuía com as horas, vou sentir falta da sua delicadeza. Seu corpo já estava tão magro e seus passos tão receosos, como não vi seus sinais? Lembro-me da sua última expressão, era tão calma como se soubesse o que ia acontecer, consegui ver em seus olhos todas as nossas cenas juntas, vi sua alma e tudo mais que restava de você. Veja meu bem, abra o olho, existe um mundo todo te esperando. Olhe para o céu, quantas esperanças não existem penduradas para você... Olhe para o céu... Olhe para o céu... Olhe para o céu!
Assisti a seus últimos suspiros e o seu fechar de olhos, paro por alguns segundos e registro esse momento em minha cabeça: Seu corpo fraco na cama, sua mão colada na minha, o rosto molhado de dor, sua vida esvaída. Olho para a janela, um dia inteiro se passou, as pessoas estão indo para suas casas, as crianças saindo das ruas, os cachorros calando os latinos.... Veja meu amor, você já se foi e o sol acabou de se pôr.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Fantasma.



Hoje acordei pensando em você, amor. Acordei lembrando do formato de suas unhas e do cheiro de sua pele, lembrei do grisalho de seus cabelos e dos pelos do seu nariz, a ideia de morte me lembra você. Eu sinto tanta falta de nossas curtas conversas, do tronco de arvore que servia de banco, do seu pé esquerdo quando acordava, sinto falta até mesmo de sua ausência que perpetua em mim. Eu ainda tenho as marcas de arranhado que você me deixou, estão por todos os cantos: Nos olhos riscados de lágrimas, no peito marcado de dor, nos braços fracos sem seu apoio.
Você não me reconheceria mais hoje em dia, não sou mais uma menina, não sou mais a sua menina. A ideia de morte me lembra tanto você, que hoje meu perfume é terra moída, dessas que a gente joga em cima de um corpo e o assiste desaparecer. Mas não se aflija meu amor, que a ferida já foi sarada e você enterrado, enterrei junto as fotos, os videos e todas as más recordações. Soterrei e apaguei as brigas, os sermões e a falta que fez durante tanto tempo.
Você nunca gostou mesmo de despedidas, nunca disse um "até logo", "volto já" ou "já venho", mas lembro-me do seu "nunca vamos nos separar" e cá estou eu relembrando suas promessas que você não cumpriu pra nenhum dos dois, foi embora sem nem um adeus, ou um ultimo beijo. Eu luto pra lembrar de suas expressões, manias, ou a textura de sua pele já meio ressecada, sinto que você está se tornando um fantasma, fantasma que vejo todos os dias no espelho.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Descomplica.

Andando pelas ruas venho percebendo olhares tão amargurados, bocas tão caladas curvadas para baixo, mãos fechadas impedindo qualquer bom dia ou gentileza. Não entendo essa necessidade de levar a sério a vida, de privatizar os problemas, priorizar as frustrações. Quantas vezes você já parou pra reparar no modo que as flores se abrem, ou como as nuvem se posicionam em um céu azul radiante? É triste o que a corrida do cotidiano faz com a gente, hora pro trabalho, corra para pegar o ônibus, reze para não ter indigestão pelo almoço engolido, implore para ver o crescimento dos filhos.
Ouvimos demais, falamos demais e sentimos em demasia. Tire os fones de ouvido, o cigarro da boca e o óculos escuros aproveite o que se tem hoje, descomplica. Já existem as contas pra pagar, as metas pra bater, a fome pra saciar e o amor pra esquecer, vamos nos preocupar com cada vírgula que nos é colocada?
Seja mais impulsivo, mais sorridente, deixe pelo menos uma vez o cabelo embaraçar no vento e roupa molhar na chuva, amanhã com certeza será outro dia.
Já não sei se a vida é complica demais ou nós que a complicamos, deixamos passar os pequenos detalhes, despercebendo os bilhetes que existem por ai... Tira só por hoje o mau-humor, esqueça por um momento as brigas e o coração partido. Esqueça que tem casa, horário, trabalho e lamentações, esqueça até mesmo que pensa e descomplica amor, descomplica.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Do sentir saudade.



Eu vejo o porta retrato desbotado
Mostrando o nosso passado
Eu vejo todas as cores
Em meu coração aberto em amores

Eu vejo a paisagem em mim
Aumentando a saudade que não tem fim
Eu vejo a estrada passando
E os meus pedaços ficando

É sol que brilha sem pedir permissão
É a chuva que caí e molha o meu chão
É a onda fragmentada que derruba
É a lembrança que faz rir e machuca

São os olhos chorosos de despedida
São os sorrisos futuros que ainda têm vida
Os amigos deixados que eu levo comigo
E o amor derramado que eu deixo contigo

É o passado, presente, futuro
É o carinho em seu formato mais puro
É a solidão, a amizade e a dor
Eu vejo as lágrimas caindo
Abertas em pétalas de amor....

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Boneca II



Minha Boneca tinha inumeros remendos, alguns eu ajudei a costurar, outros ajudei a abrir. Eu amava os vestidos que ela usava, azuis, brancos, vermelhos, todas as cores refletiam o seu olhar e eu me sentia preso em todas as suas roupas. Detestava o jeito como ela os vestia e ia para rua, minha Boneca era só minha e embora nao percebesse atraía os olhares de estranhos e até mesmo de meu irmão. Detestava o sorriso canastra que ela lançava para o rapaz da venda, ele era um idiota que babava em cima de minha jóia. Eu detestava seu jeito manipulador, mas nunca conseguia me afastar. Ela gritava, rodava e colocava o indicador em minha face e logo em seguida passava a língua em minha orelha me chamando para seu corpo.
É impossível esquecer todas as nossas cenas juntos: O modo como ela mordia a boca quando sentia prazer, a força com que pressionava os pés contra o colchão quando faziamos amor, ou quando sussurava em meu ouvido "benzinho" logo após gozar. Eu me lembro perfeitamente como ela segurava a cabeceira da cama pronta para ser violada e exposta em sua própria casa.
Ela sabia o poder que exercia sobre mim e eu tão tolo e otário transparecia a cada encontro minha cegueira amorosa, como era possível uma menina me possuir e me sangrar tanto com ela fez?
Eu nunca soube seu nome, ela sempre evitou falar. As vezes eu a achava com cara de Alice, outras com modo de Anita. Creio que foi por isso que me perdi por aquelas pernas, o grande mistério me fez a amar como se não houvesse outra mulher no mundo. Eu não a conhecia, não sabia seu nome, sua idade verdadeira, nem se era real de fato. Ela não nasceu, ela foi inventada, criada de um modo que em apenas um corpo todos os personagens vivessem, como se todas as mulheres do mundo morassem em sua alma e dessa forma todas as loucuras do mundo invadiam minha cabeça.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Desmonte.

Não existe nada mais doloroso do que desmontar uma pessoa de dentro de você. Alguns ficam na caixa estocados, esperando pela montagem sem nem saberem que estão esquecidos, outros se montam e desmontam por conta própria, rasgando o papelão e jogando na nossa cara a falta de permissão para tomar seu espaço. O processo é doloroso, massacrante e ilógico, primeiro vou desmontando as boas lembranças, guardando com cuidado nas minhas gavetas, o sorriso vai na primeira, os olhos na segunda e todo resto pra terceira. Os momentos ruins também precisam ser descolados ficando em um espaço um pouco menor, compactado, aonde não tenha importância. Da cabeça é um pouco mais difícil de apagar, o tempo faz seu papel de bom pai orientando suas crias.
O mundo dá voltas e com elas mudamos sempre nossas posições perante a vida: Em baixo, de lado, por cima, de lado, em baixo de novo. Nada muito inclinado que se possa cair e não voltar mais e nem tão alto para que a queda não seja tão grande. A vida e suas grande metáforas, sua lógica torturante e sua dureza de um soldado, se não tiver jogo de cintura dança mesmo, até encostar no chão.
A conexão mente e coração é tão necessária e tão ineficiente ao mesmo tempo, se conecta não vivemos por completo, se desconecta é um brigando com o outro, o amor e a razão são duas coisas que não funcionam muito bem juntas. Acho que chegou a hora de sair da defensiva, avançar, arriscar, pular em precipícios, nadar em mar aberto sem saber o que tem na sua frente. É preciso sempre montar e desmontar, desmontar e montar de novo para sempre sabermos qual ferramentas usarmos nessa grande linha cronológica. É, chegou o momento de pensarmos com o coração e sentir com a mente.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Boneca I




Eu nunca tinha me deparado com uma criatura tão intensa quanto aquela menina, até hoje não sei seu nome verdadeiro, mas eu a chamava de boneca. Boneca tinha uns olhos escuros desses que escondem a verdade e cospem na sua cara as mentiras que você precisa para viver, bastava um olhar e eu me sentia preso em um labirinto sem saida ou caminho. Seu vocabulário indeciso e agressivo mostrava o quanto ela queria de mim e quão pouco eu podia lhe oferecer, seu o sorriso era lindo, nem tão largo que feche os olhos e nem tão curto que não mostre os dentes, e os dentes eram tão bonitos que refletiam em seu amarelado toda a felicidade de seus segredos. Eu adorava todos os seu gestos e a mania de rir depois de me enganar, ela era uma aranha e eu estava completamente preso em sua teia.
Eu confesso, tinha medo de quando ela me olhava diretamente nos olhos e me encarava com a seriedade de um ancião, as vezes parecia que tinha dez anos e outras parecia ter cinquenta. Era enebriante seu perfume, a colonia que ela usava me deixava com seu cheiro até a alma e sua paixão me invadia como se eu fosse um pobre coitado a procura de um abrigo. Ela não foi a mulher mais bela que já tive, mas sem sombra de duvidas foi a mais envolvente, seus cabelos contra meu peito e suas unhas em minha pele faziam com que eu pedisse perdão pelos pecados e pela minha traição diaria ao seu amor.
Hoje em dia, mesmo tendo passado cinco anos, eu consigo sentir o corpo dela em meus lençois, como se ela ainda habitasse minha cama, minha mente, meu coração. Sinto falta das frases de efeito e do choro de criança que ela usava para me afetar e me fazer pedir desculpas de joelhos por coisas que eu não fiz e nem ao menos pensei em fazer. Não podia sentir pena ou nojo daquela criatura, ela era um enigma tão grande que eu ficava ao seu lado apenas para saber seu próximo pensamento, para eu poder entrar em seu mundo.
Eu me recordo todas as manhãs de seus costumes, de suas roupas, da forma do seu corpo. Não poderia esquecer aquele formato, aquela voz, aquele toque. Eu ainda a aguardo, como um cão leal sentado na porta de casa esperando seu dono, deixou de ser rotina e passou a ser obsessão ficar parado no porto esperando seu navio chegar e enquanto não chega eu prossigo minha vida procurando em diversas pernas o pano de minha Boneca.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Estação.

Era uma tarde como outra qualquer dessas em que as pessoas se cumprimentam, se esbarram e assistem filme, que eu mergulhei de volta em meu ser. Embora a chuva caísse lá fora aqui dentro apenas mar e é com uma água salgada e limpa que me recordo do outono. O frio do ambiente não impediu que calor dos corpos transparecessem e dessa forma o gelo que pairava em minha cabeça foi derretendo, meus dedos faziam uma viagem em teu corpo, contornando teus ombros, teus braços, teu peito, enquanto que minha boca solitária e áspera implorava por tua saliva e teus dedos enrolando meus cabelos me faziam parar de pensar e respirar.
Em uma cena bronze onde as horas passavam mais rápido do que deviam, eu fechava meus olhos e escutava o silêncio, momento em que apenas nossos corpos desnudos falavam e se ouviam, como se o suor fosse nossa nota musical e o doce aroma nosso maestro. Eu via o roteiro sendo escrito com as linhas tortas e mudas que um dia eu escondi de mim mesma. O vento, o calor, sua perna contra a minha, minha mão contra o colchão, eram os elementos que eu precisava para voltar a pensar. A vida passava lá fora e dentro do quarto apenas um momento que eu vivi como único, como se fosse a última cena de um curta, o último ato de uma peça de teatro.
Acordei no dia seguinte com o barulho da chuva, uma forte cortina do liquido incolor caia no chão e eu apenas conseguia escutar suas gotas batendo na janela. Esfreguei meus olhos e contemplei por um breve momento aquela paisagem, tanta água me fez lembrar do último outono e então eu volto a dormir pensando se o que aconteceu foi real ou apenas um sonho.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O rato roeu.

O rato roeu os corações ainda vivos e com o sangue de inocentes em seus dentes prosseguiu seu caminho. O rato roeu nosso resto de comida e misturou em sua saliva o lixo e a paixão dos inocentes, fazendo em sua boca um caldeirão de bem e mal. O rato procriou e surgiram inúmeros outros ratos que roeram nossas roupas, nosso salario, nossa felicidade e nosso amor. Com sua urina de cheiro forte nos marcou para que sempre lembremos do que nos foi tirado: O poder de pensar.
E o rei dos ratos impera em um mundo sujo e cinza, com sua prole fiscalizando, demarcando e comendo tudo o que vê pela frente, o mundo é dos ratos. Farejando nosso medo e subindo em nossas barrigas, alcançam nossos corações e cérebros.... Nós definhamos pelo fato de não podermos mais agir, mais falar, mais consumir. O rato roeu meu dedo, meu indicador preciso e mortal, roeu minha língua afiada e venenosa, roeu meus olhos cobertos por cortinas de dióxido de carbono.
O rato comeu e virou sua própria comida, sendo deposito de luxuria, poder e ganancia, abençoando seus filhos e condenando seus desconhecidos. O rato com sua barriga estufada e suas patas para cima descansa para próxima refeição, podem ser crianças, pobres, doentes, miseráveis... O rato apenas come. O rato de tanto roer, cresceu, criou polegares e aprendeu a falar e desde então o mundo é dominado por ratos de duas pernas, coluna ereta e julgamento de aço.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

7 cartas.

Em um labirinto de becos e pernas me perdi
Rodopiando e me enrolando em nós mal atados
Sujando lençóis de amores escondidos
Perdendo apostas de dados nunca lançados

Se caio no chão e desfaleço
É por que a cortina de fumaça me cega
E eu sei que tudo na vida tem um preço
Preço que a solidão me nega.

Sei que possuo sorrisos, olhares virais
Que contagiam espelhos, corações mortais
Vejo em seus olhos um brilho delirante
Tão parecido com meu peito errante.

Não me jure amor se me quer por perto
Sou do mar, do vento, de qualquer hemisfério
Pois sou língua quente em coração aberto
Paixão mascarada em jogo de mistério.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Baila Comigo.

Dorinha estava sentada no banco de sua varanda, relembrando, rindo sozinha e comemorando mais um ano de casamento. Geraldo faleceu em fevereiro, sendo degenerado lentamente pelo câncer, sua família o viu definhar em uma cama de hospital, ficando cada vez mais pálido, magro, cada vez mais morto. Dorinha e Geraldo se casaram no final de setembro, por que segundo a moça as flores nascem e o amor ganha vida. Estavam fazendo sessenta anos de casados, mesmo com o seu marido ausente e enterrado, Dorinha fazia questão de comemorar a união deles. Tirou o telefone do gancho, falou para os filhos e netos não baterem em sua casa, hoje era um dia especial. Arrastou com um pouco de dor nas costas os dois sofás, retirou o tapete e deixou a mostra o chão de madeira, do jeito que os dois faziam todas as noites antes de se separarem fisicamente.
Dorinha colocou seu vestido rodado, os sapatos com salto pequeno e abraçou o terno de seu finado. O conduziu a sala com todo o cuidado do mundo, era a primeira vez que voltava ao ritual sem seu amado. Ligou a vitrola e um belo bolero começou a tocar, segurou as lágrimas e abriu um sorriso "Hoje sou só eu e você, como há vinte anos atrás", fechou os olhos e voltou para o salão aonde se conheceram...
Geraldo galanteador e o melhor dançarino do salão, era conhecido pelo bigode impecável e os sapatos brilhosos. Todos os dias depois do trabalho, ele subia a ladeira e virava a direita para Rua 56 aonde encontrava os amigos, puxava uma saia e rodopiava com as músicas. Foi assim que Geraldo e Dorinha se conheceram.
Dorinha adorava boleros e era, disparada, o melhor par de pernas da cidade. Não digo isso apenas pela beleza natural daquela jovem, mas pela graça de seus movimentos tão encantadores. A fita rosa no cabelo, os lábios vermelhos, o vestido verde escuro rodado, todo figuro combinando com a época e a ocasião.
"Baila comigo", foi o que Geraldo falou para o seu amor, sem nem um olá ou um cortejo, apenas "Baila comigo", estendendo a mão direita e curvando os lábios para esquerda, o rapaz tirou um belo suspiro da moça. Foram girando, rodopiando e sacudindo o salão até o amanhecer. Descobriram nos passos dançados um amor maior que eles. Daí em diante todos nós sabemos o que aconteceu, os dois se apaixonaram, casaram, tiveram uma linda família e uma casa quitada, até a morte os separar.
Dorinha abre os olhos, percebe que o terno de seu moço está completamente molhado por suas lágrimas, sentia tanta a sua falta que já não comia, ou dormia direito. Abria todos os dias o guarda-roupa, pegava uma camisa e ficava horas cheirando e lembrando do perfume, lembrava dos passeios no parque, dos sorrisos inesperados, do primeiro filho.
Dorinha desligou a vitrola, guardou o terno e se aprontou para dormir. Antes de se deitar olhou para o porta-retrato em sua cabeceira, os três filhos e cinco netos, ela e seu eterno Geraldo. Fechou os olhos pela última vez e caiu no sono eterno, avistando Geraldo apenas disse "Baila comigo, baila comigo..."