terça-feira, 25 de outubro de 2011

Areia.




Meus músculos doem e minha cabeça lateja, já não aguento mais engolir tanta água e o sal começa a incomodar os meus olhos. Prendo a respiração só para ter o prazer de saber que não foi a última vez que senti o ar preencher os meus pulmões negros. Eu sinto o tempo todo que nado contra a maré.
Eu vejo a correnteza me arrastar e me atrasar, o mar está fundo e não consigo ficar de pé, há pedras por perto mas não são confiáveis, poderiam me salvar e no instante seguinte me jogar de volta para o mar como se eu fosse isca de tubarão. Há quanto tempo eu já estava nesse exercício? Meses, anos, horas? Já não sabia mais contar os dias, ou os minutos. Será que já é natal?
Eu já não consigo enxergar, já não consigo ouvir, não consigo mais falar. Sinto que afundo lentamente e uma calma estranha toma conta do meu peito, me sinto sorrindo d'baixo de tanta água. Em um impulso esperançoso procuro por um último suspiro, uma ultima energia que me faça voltar a nadar. Quantas pessoas abandonei? Quantos amores deixei de sentir? Quais ideologias eu larguei para não ser condenada? Demorei tempo demais para perceber os verdadeiros valores que me cercavam, demorei tempo demais para derramar lágrimas que não deviam ser aprisionadas, demorei tempo demais para começar a nadar.
E agora de nada adianta tanta lamuria, tanta angustia. Nadei como uma condenada, para ver a terra e morrer na praia.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Esqueleto.

Eu via sua alma em decomposição na minha frente e nada podia fazer, uma grossa nuvem de fumaça formava uma parede cinza entre a criatura e o criador. A música aplaudida parou de tocar no momento da despedida, eu continuo vendo os corpos caindo junto com seus passos falsos, quanta esperança morta.
O dia não renasceu, a luz não voltou e eu continuo te vendo da janela, seus olhos não mudaram, mas a expressão... Era um olhar de pena, de angustia, de sofrimento, eram olhos molhados. E eu nada podia fazer, eu era um fantasma, uma sombra que seguia a sua sem você perceber e agora, agora não sou mais nada. Agora sou retalho do pouco que aprendi, sou carne viva da sua lembrança, sou chão marcado de giz. Quantas chuvas passaram para apagar os desenhos feitos, as primaveras também passaram enfeitando seu trono sagrado, perfumando meu peito dilacerado. E mesmo passado tanto tempo você continua deitado na mesma posição, com a mesma expressão apática, com a mesma tristeza. Eu sinto vontade de chorar o seu choro sempre que lembro da sua imagem deteriorada, dos seus lábios curvados para baixo, das suas mãos cruzadas sempre pensando na reza.
Eu ultrapasso a janela e começo a fazer parte da sua casa, nunca tinha entrado antes, sempre te admirava de longe, como um cão abandonado procurando um novo dono. Eu subo as escadas pronta para te socorrer e te movimentar, não é justo pertencer sempre ao mesmo lugar. Eu abro a porta do seu quarto, mas você não olha, não se mexe, nem um fio de cabelo é modificado. Eu já não consigo ver seus olhos, nem suas unhas, nem sua pele.Eu compreendo tudo agora, as lágrimas, o amor mal feito, as ilusões criadas, tantos anos se passaram e eu na verdade me apaixonei por um cadáver.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Beco escuro.




Não adianta você correr, ele te alcança. Mesmo que você corra o mais rápido que puder, ele vai te encontrar. Não se esconda em becos escuros, nem em bares muito cheios ele vai se vestir e ir de encontro aos seus pensamentos. Ele é sua sombra colocada no corpo, é sua luz no fim do túnel, é seu desejo pelo futuro, ele é o que você faz.
Não adianta fugir da morte, por que é ele quem te entrega como recompensa, não adianta negar a própria vida, filhos ou família. Ele é feito de todas as suas afirmações e negações. Não adianta repelir sua natureza, retardar a velhice, optar por dinheiro ao invés de felicidade. Ele pode crescer forte e vigoroso ou podre e mau-encarnado. Coloque lentes de contados, tinja o cabelo, aplique Botox, mas entenda: Ele sempre estará de mãos dadas com você.
Uns chamam de Karma, outros de destino e há quem diga também que ele é macabro, embora outros o achem brilhante. Mas não importa o nome nem sua função, cada partícula e fibra é feito de suas atitudes e opções e não adianta fugir, ele te pega na esquina e te mata sem nem você perceber....

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Porco.

Eu sinto saudade do cheiro e das flores, sinto saudade principalmente do perfume que saem delas. Eu sinto pena das arvores secas e das raízes grossas que te prendem no mesmo lugar débil e monótono. O verde que cresce no tronco morto, não é vida, é morte mesmo que seja bonita. Tente olhar para o céu, o que você encontra? Nuvens cinzas e pretas te rodeando, como se fosse um ritual de passagem: Homem para porco.
Porco, foi o que o homem se tornou. Porco, sujo e lazarento, contínuo e lamacento. Eu vejo pérolas ao seu redor, mas quem atiraria pérolas aos porcos? Quem daria um tesouro para um humano-animal?
E a tempestade caí, deixando as nuvens mais irritadas e dançando mais rápido. A passagem está quase no fim, homem para porco, porco para homem. Não há tanto diferença nos dois seres, ambos são animais, um é submetido a sujeira e ao resto, o outro se submete. Enquanto um bebeu leite azedo, o outro deixou azedar. E o azedume tomou conta do peito, das mãos, dos olhos e do cérebro.
O homem come o porco, mas o porco nunca comeu o homem. Assim como já comeu vaca, gato, cachorro, outro homem e lixo. Se ele tem tudo isso dentro de si que se torne um porco logo.
E o céu se abre, era difícil enxergar o seu azul já que a mata era fechada. Mas era apenas o rosa que precisava aparecer, o fucinho, o rabo. Eu já não sabia mais diferenciar homens e porcos, nem saberia dizer se o homem algum dia existiu.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Madrugada.

Meu deus! Eu preciso esquecer de tudo que me faz sofrer, preciso secar essas lágrimas e calar essas juras por que não há mais ninguém para escuta-las. É quando percebemos que o amor acabou e a desesperança toma conta do peito. Eu preciso de um novo sonho aonde eu possa gritar e mostrar tudo o que eu sou por dentro, lama.
Foi tudo que eu perdi. Que nós perdemos. O tempo, a paixão, o ódio. Não passamos de caricaturas borradas e mal pintadas, tentando refletir o que nunca fomos e nem vamos ser. O carinho e o desgosto, o calor e depois o oposto, tudo que conquistamos no ralo do banheiro. Se toda chama um dia apaga, que o fogo se acabe no alto da madrugada.