quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Cabo de Guerra



É hora de começarmos a andar e parar de ficar pisando em cascalhos, de tempos em tempos a poeira levanta, a areia cobre e o mar some com tudo que um dia existiu. A maresia corroí, todos sabemos disso. É tempo de descer do salto, subir pelas escadas e atear fogo em petróleo. Era raro, não tem mais valor. Retirando aos poucos a maquiagem com todos os enfeites que um dia um rosto poderia ter, vemos as imperfeições, as marcas que o cotidiano nos oferece. As olheiras, já não consigo dormir pensando no que poderia ter sido, os lábios curvados para baixo, como um palhaço sem cor, a pele envelhecida de tanto lembrar o passado.
No final das contas sempre resta o obvio: Um cabo de guerra partido ao meio, com os dois lados perdedores, sofrendo as mesmas dores. Dois times fracassados na arte de compreender, o que seria o amor para quem sempre guerrilha? Um monte de regras, pedaços de papel queimado , ou apenas mais um jogo. Jogo que sempre perco. Não teimo mais com o destino, doei minhas pernas e agora vago cega e tola pelos caminhos que me colocam na frente. Como qualquer coração vagabundo e abandonado eu prossigo, sendo forçada a aceitar que as roupas já estão no meu corpo tempo demais para serem reivindicadas. O amanhã....
Ligo o chuveiro e deixo a água lavar qualquer impureza do meu corpo, as dores, as péssimas lembranças, o seu dedo indicador no meu nariz, seus dentes me rasgando. Consigo finalmente arrancar minhas velhas peças de pano, pano rasgado, e com algumas gotas grossas caindo pelo meu corpo molho o banheiro e deixo o chão ser lavado para esquecer as cenas que ele já suportou. Me seco com calma e cautela, cada parte limpa significada um pouco menos de você em mim, cada parte limpa significada um pouco mais de mim. Relembro tudo o que passamos, uma retrospectiva de quando eramos um só, me canso e jogo a toalha no chão, desistindo de tudo o que um dia consegui sentir.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Ghost.



As memorias, fotografias e risadas encontram-se mortas agora, cinzas como pó. O navio fantasma ancora e me esmaga contra as paredes, meu fraco peito envelhecido relembra mais uma vez o brilho furioso de seus olhos tão calmos. Eu sinto a brisa refrescar, enquanto que o sol queima minha pele. Por que todas as recordações são tão difíceis de serem esquecidas?
Eu questiono o meu passado tentando juntar as peças que faltam, as vezes eu esqueço de alguns detalhes. E esse navio fantasma que me visita com tanta frequência, onde estão as suas cores? Eu não vejo o seu capitão, tripulação ou passageiros, aonde está o furo? O navio fantasma nunca afundou, esteve escondido em algumas ondas, usando a neblina para se camuflar. Mas o sol sempre aparece, o verão, ele sempre traz consigo a maldita claridade que me cega. Meu navio fantasma, quantos corpos já enterrei? Estão com você todas as pessoas deixadas para trás? Meu navio fantasma anda tão sujo, abandonado. Creio que o esqueci com o passar do tempo. E eu sinto de novo a falsa sensação de sentir alguma coisa, a falsa impressão de ter sido alguém, a falsa ilusão de ter vivido.
Meu navio esteve durante tanto tempo esquecido, vagando pelas gavetas da displicência. Mas agora, como se nada fosse mais importante do que me assombrar, ele atraca em meu peito. Eu não posso deixar que ele me drene tanto, eu contemplo pela ultima vez sua carcaça enferrujada e sigo o ritual esperado: Puxo sua ancora e prendo suas correntes, está na hora de desaparecer novamente, meu bem.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Um quarto.


Era uma manhã de quinta-feira nublada e fria, um daqueles dias que você demora para levantar e reflete na vida, foi quando eu lembrei, mais uma vez, das cenas que marcaram o mês de outubro. A chuva não parava de cair e o som era quase como uma música clássica rompendo aquele silencio habitual de dois estranhos, mas não eramos estranhos. A meia luz iluminava apenas metade do seu rosto, meio homem, meio animal. Eu como sempre fui predada, me deixei ser caça abatida, meio morta-viva para poder te ter novamente, agora tudo faz sentido: A meia luz, as cortinas esvoaçando, a cama pronta para ser desarrumada. Eu me lembrava do cenário, das falas, dos personagens... Me reviro na cama com vertigem, não era nojo, era um prazer agonizante de ter mais uma vez os lençóis me cobrindo e o seu riso em cima de mim.
As suas mãos deslizando por mim como se fossem gelo derretido, as tabuas de madeira que guardaram em sua estrutura o nosso segredo, o espelho maldito que nos refletiu e me mostrou quem eramos de verdade. Por que, por que é sempre tão difícil? Meu cabelos enrolados em seus dedos e seus olhos me encarando, como se eu fosse o demônio e você o crucifixo, sua boca me mentindo e minha carne desfalecendo. A luz amarelada fazia com que a lua fosse apenas uma lampada, você sempre tampou a claridade. Depois de tanto tempo separados, voltamos para o mesmo quarto de motel barato que frequentávamos. Não é amor, é escravidão.
Termino minha reflexão barata sobre tudo o que aconteceu, levanto com desejo de você, com vontade de lençóis limpos e janelas abertas, com desejo de cortinas quietas e sem vento arranhando o vidro. Me olho no espelho tentando disfarçar o olhar de reprovação que eu mesma me lanço. Percebo que não acordei apenas para ir trabalhar, acordei para uma outra vida, um tormento que é viver no abismo do teu amor.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O fantástico mundo do Zé ninguém.




João e Maria eram casados tinha muito pouco tempo e logo a moça engravidou, não tinham pão pra comer e a vestimenta também era pouca. A casinha de pau-a-pique tinham um único comodo e era tão apertado que ou todo mundo saia, ou ficavam unidos, preferiram a segunda opção.
Maria pariu um menino magrinho, fraquinho, doentinho. Era José seu nome e sua principal função era levar a alegria para os pais. Quando pequeno era chamado de Zezinho "Zezinho, tira o pé da boca", "Zezinho não foge do banho". Era um tal de zezinho pra cá e zezinho pra lá, as outras crianças do bairro não entendiam porque o menino era tão amado, faltava dinheiro, faltava comida, faltava roupa limpa, faltava até cabelo na cabeça do João, mas nada impedia o sorriso nascer.
Zezinho não frequentou os melhores colégios e passou longe de ser um gênio, com a situação financeira dos seus pais logo teve que trabalhar e os estudos ficaram de lado. Aprendeu na rua coisas que professor nenhum podia ensinar e entendeu conforme o tempo passava que a vida por si só era uma filosofia brilhante: Para colher, é preciso plantar. Zezinho cresceu, virou um homem e se tornou um Zé ninguém, já com seus vinte e poucos anos faltavam alguns dentes e as costelas apareciam, conseguiu um trabalho na maior fazenda da cidade, era um dos melhores trabalhadores. Voltava sempre com a boca sem dente sorrindo e pensando em como era sortudo por tudo o que tinha, mesmo sabendo que isso era considerado nada para seus patrões.
Zé ninguém se apaixonou por Joana Alguém, a filha do seu patrão, um romance proibido e cheio de magia, desses do fundo do sertão aonde o mocinho tem que brigar pelo amor da sua vida. Joana resolveu casar por que estava grávida de Zé ninguém, mas era tão engraçado como se sentia feliz, era um calor que nunca antes tinha sentido no peito. Joana foi abandonada pelos pais, trocou o sobrenome e virou Joana ninguém. Concluiu ao fim de tudo, que era mais importante ter uma família, comida (mesmo que não seja a melhor) e amor, do que dinheiro e liberdade nenhuma.
É, Zé ninguém descobriu no final da vida toda sua importância. A liberdade não está em poder fazer tudo o que quer, mas amar tudo o que se faz. Liberdade é amor. Contou isso para seus três filhos e morreu do mesmo jeito que nasceu, sendo Zezinho.

domingo, 20 de novembro de 2011

Em branco.




Me preparo para escrever, ponho a caneta em meu punho e contemplo as linhas brancas. Penso, penso, penso... Não consigo nada mais do que borrões na folha que antes era limpa. Acendo um cigarro, olho o tempo pela janela e volto ao papel, nada consigo expressar. Não consigo imaginar nada diferente de nossa situação, o abandono, o choro, a birra. Como poderei eu colocar isto em um papel, ficaria obvio demais uma reconciliação.
Decidi por fim não escrever nada, nem uma poesia, nem uma prosa e nem um bilhete de reclamações, decidi que o certo era fazer de caderno meu travesseiro para que de alguma maneira você sentisse minha falta. Rasguei o único rascunho que tinha e espero que em algum dia chuvoso ou de sol, você encontre em pedaços os pensamentos que já tive, pois agora meu bem, contente-se com o vazio branco das minhas linhas vazias e minhas letras redondamente amarguradas.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Fechadura



De tanto escrever e me abrir para linhas
Deixe esquecer a presença do lado
Pensei que era forte sendo só e sozinha
Mas apenas arrendondou meu coração quadrado

Se te conto meus segredos não é para rir
Protejo-os a ferro e fogo para não me iludir
Meu amor maior é guardado e zelado por ti
Para não ver mais uma vez minha esperança partir

Espero na janela com a violeta amargurada
E vejo o relógio girar como se não importasse nada
Pois apenas queria ver seu rosto na madrugada
Me trazendo um sorriso e abrindo a alvorada.

Mas você não entende o motivo dos sorrisos
Que eu teimo em soltar quando estou contigo
São placas de aviso, um maior perigo
Que é você meu amor, meu segredo, meu amigo.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Asfalto

Era de uma solidão extrema e tão amarga que até o café sem açúcar se sentia doce, seu silêncio possuía todas as silabas tônicas que um ditador conseguiria pensar e o seu sorriso era mais amarelo do que a boca de um fumante. Era de uma matemática invejável conseguia somar olhares com estranhos mas subtraia a alegria, multiplicava os segredos e dividia os pecados, não podia se queixar de muita coisa, vivia conforme queria:sem regras, sem amor, sem rotina. Era de uma presença sem igual, se fosse quente era lava, se fosse frio tempestade. Mas a sua ausência era o que mais me incomodava, seu silêncio, o batucar dos dedos como se sempre estivesse esperando alguma coisa, os tremores de olhares e as mordidas nos lábios, provas concretas de uma agonia sem igual. Acendia um cigarro e mostrava completo desinteresse pelo mundo a sua volta: a criança chorando pelo peito, o senhor que não tinha dinheiro para o aluguel, a prostituta na esquina. Fechava os olhos e olhava para cima, nada de fato mudaria sua vida. Era tão medíocre quanto a poeira no asfalto, e o asfalto dava-lhe nojo.

domingo, 6 de novembro de 2011

Fotocópia.

Se os meus olhos tirassem foto, eles iriam gravar cada passado corrido do dia-a-dia, cada cara emburrada no ônibus lotado, cada ouvido ocupado por seus fones. Se meus olhos copiassem a paisagem, eu iria mostrar cada sorriso bobo aleatório, cada par de mãos se amando, cada saia esvoaçada.
Mas se meus olhos falassem, eles iam gritar a infelicidade do mundo, os animais abandonados, o lixo no canteiro, a falta de gentileza. Eles iriam sussurrar um novo amor, dar "bom-dia" ao motorista, gravar o sol que se esconde entre os prédios.
Se meus olhos pudessem te dizer há quanto tempo eu espero pelo nosso encontro, que em cada rua procuro teus passos largos e corridos, que eu me mergulho em pensamentos para te achar... Ai se meus olhos te vissem, eles fariam uma fotocopia exata do que nunca existiu. O amor, você, nós dois juntos fazendo nossa novela passar na TV.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Areia.




Meus músculos doem e minha cabeça lateja, já não aguento mais engolir tanta água e o sal começa a incomodar os meus olhos. Prendo a respiração só para ter o prazer de saber que não foi a última vez que senti o ar preencher os meus pulmões negros. Eu sinto o tempo todo que nado contra a maré.
Eu vejo a correnteza me arrastar e me atrasar, o mar está fundo e não consigo ficar de pé, há pedras por perto mas não são confiáveis, poderiam me salvar e no instante seguinte me jogar de volta para o mar como se eu fosse isca de tubarão. Há quanto tempo eu já estava nesse exercício? Meses, anos, horas? Já não sabia mais contar os dias, ou os minutos. Será que já é natal?
Eu já não consigo enxergar, já não consigo ouvir, não consigo mais falar. Sinto que afundo lentamente e uma calma estranha toma conta do meu peito, me sinto sorrindo d'baixo de tanta água. Em um impulso esperançoso procuro por um último suspiro, uma ultima energia que me faça voltar a nadar. Quantas pessoas abandonei? Quantos amores deixei de sentir? Quais ideologias eu larguei para não ser condenada? Demorei tempo demais para perceber os verdadeiros valores que me cercavam, demorei tempo demais para derramar lágrimas que não deviam ser aprisionadas, demorei tempo demais para começar a nadar.
E agora de nada adianta tanta lamuria, tanta angustia. Nadei como uma condenada, para ver a terra e morrer na praia.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Esqueleto.

Eu via sua alma em decomposição na minha frente e nada podia fazer, uma grossa nuvem de fumaça formava uma parede cinza entre a criatura e o criador. A música aplaudida parou de tocar no momento da despedida, eu continuo vendo os corpos caindo junto com seus passos falsos, quanta esperança morta.
O dia não renasceu, a luz não voltou e eu continuo te vendo da janela, seus olhos não mudaram, mas a expressão... Era um olhar de pena, de angustia, de sofrimento, eram olhos molhados. E eu nada podia fazer, eu era um fantasma, uma sombra que seguia a sua sem você perceber e agora, agora não sou mais nada. Agora sou retalho do pouco que aprendi, sou carne viva da sua lembrança, sou chão marcado de giz. Quantas chuvas passaram para apagar os desenhos feitos, as primaveras também passaram enfeitando seu trono sagrado, perfumando meu peito dilacerado. E mesmo passado tanto tempo você continua deitado na mesma posição, com a mesma expressão apática, com a mesma tristeza. Eu sinto vontade de chorar o seu choro sempre que lembro da sua imagem deteriorada, dos seus lábios curvados para baixo, das suas mãos cruzadas sempre pensando na reza.
Eu ultrapasso a janela e começo a fazer parte da sua casa, nunca tinha entrado antes, sempre te admirava de longe, como um cão abandonado procurando um novo dono. Eu subo as escadas pronta para te socorrer e te movimentar, não é justo pertencer sempre ao mesmo lugar. Eu abro a porta do seu quarto, mas você não olha, não se mexe, nem um fio de cabelo é modificado. Eu já não consigo ver seus olhos, nem suas unhas, nem sua pele.Eu compreendo tudo agora, as lágrimas, o amor mal feito, as ilusões criadas, tantos anos se passaram e eu na verdade me apaixonei por um cadáver.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Beco escuro.




Não adianta você correr, ele te alcança. Mesmo que você corra o mais rápido que puder, ele vai te encontrar. Não se esconda em becos escuros, nem em bares muito cheios ele vai se vestir e ir de encontro aos seus pensamentos. Ele é sua sombra colocada no corpo, é sua luz no fim do túnel, é seu desejo pelo futuro, ele é o que você faz.
Não adianta fugir da morte, por que é ele quem te entrega como recompensa, não adianta negar a própria vida, filhos ou família. Ele é feito de todas as suas afirmações e negações. Não adianta repelir sua natureza, retardar a velhice, optar por dinheiro ao invés de felicidade. Ele pode crescer forte e vigoroso ou podre e mau-encarnado. Coloque lentes de contados, tinja o cabelo, aplique Botox, mas entenda: Ele sempre estará de mãos dadas com você.
Uns chamam de Karma, outros de destino e há quem diga também que ele é macabro, embora outros o achem brilhante. Mas não importa o nome nem sua função, cada partícula e fibra é feito de suas atitudes e opções e não adianta fugir, ele te pega na esquina e te mata sem nem você perceber....

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Porco.

Eu sinto saudade do cheiro e das flores, sinto saudade principalmente do perfume que saem delas. Eu sinto pena das arvores secas e das raízes grossas que te prendem no mesmo lugar débil e monótono. O verde que cresce no tronco morto, não é vida, é morte mesmo que seja bonita. Tente olhar para o céu, o que você encontra? Nuvens cinzas e pretas te rodeando, como se fosse um ritual de passagem: Homem para porco.
Porco, foi o que o homem se tornou. Porco, sujo e lazarento, contínuo e lamacento. Eu vejo pérolas ao seu redor, mas quem atiraria pérolas aos porcos? Quem daria um tesouro para um humano-animal?
E a tempestade caí, deixando as nuvens mais irritadas e dançando mais rápido. A passagem está quase no fim, homem para porco, porco para homem. Não há tanto diferença nos dois seres, ambos são animais, um é submetido a sujeira e ao resto, o outro se submete. Enquanto um bebeu leite azedo, o outro deixou azedar. E o azedume tomou conta do peito, das mãos, dos olhos e do cérebro.
O homem come o porco, mas o porco nunca comeu o homem. Assim como já comeu vaca, gato, cachorro, outro homem e lixo. Se ele tem tudo isso dentro de si que se torne um porco logo.
E o céu se abre, era difícil enxergar o seu azul já que a mata era fechada. Mas era apenas o rosa que precisava aparecer, o fucinho, o rabo. Eu já não sabia mais diferenciar homens e porcos, nem saberia dizer se o homem algum dia existiu.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Madrugada.

Meu deus! Eu preciso esquecer de tudo que me faz sofrer, preciso secar essas lágrimas e calar essas juras por que não há mais ninguém para escuta-las. É quando percebemos que o amor acabou e a desesperança toma conta do peito. Eu preciso de um novo sonho aonde eu possa gritar e mostrar tudo o que eu sou por dentro, lama.
Foi tudo que eu perdi. Que nós perdemos. O tempo, a paixão, o ódio. Não passamos de caricaturas borradas e mal pintadas, tentando refletir o que nunca fomos e nem vamos ser. O carinho e o desgosto, o calor e depois o oposto, tudo que conquistamos no ralo do banheiro. Se toda chama um dia apaga, que o fogo se acabe no alto da madrugada.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Dois tempos.



-Ah Glorinha, já foram sessenta anos e você ainda parece a mesma, a diferença é que seus dentes são moveis.
-Rodolfo, você não tem respeito mesmo, nem as crianças você anda respeitando. O nome disso é velhice, tire logo seu aparelho de surdez e o nosso silêncio volta a reinar.
-Você lembra, benzinho, como nos conhecemos? Foi aqui perto e você queria por que queria casar naquele jardim, só por que as flores cheiravam ao amor. Você lembra como as crianças surgiram do nada? Naquela época não tinha televisão. Primeiro veio Pedrinho, logo depois nossa Martinha e a Ruth veio por último adoçando nossa vida. Eram bons tempos, eu voltava do trabalho cansado, mas você sempre estava com um sorriso e uma bela torta de pêssego me esperando. As crianças sempre sujas, estavam sempre brincando nas arvores, na terra... Eu não me incomodava, adorava aquela barulheira, aquela bagunça na hora da refeição. Lembra quando o Tito morreu? Foi o chororô danado, a caçula não conseguia nem dormir sem aquele pastor alemão, ele defendeu bem nossa casa. As crianças cresceram, foram pra faculdade, casaram e agora restaram os netos. Lembra do nascimento deles? Você chorou em todos, até parecia que seus filhos nasciam de novo. Você lembra, benzinho, lembra?
-Não, quem é mesmo você?
Rodolfo perdeu Glória gradativamente para o Alzheimer, cada ano era uma lembrança que caia no ralo. No começo ele se sentia rejeitado, como se tivessem apagado a sua própria história, mas com o tempo ele se acostumou. Só o fato de ter aquele velho corpo junto ao seu era motivo suficiente para sorrir e relembrar por dois.
-Tudo bem, benzinho.Não se preocupe não que suas memorias estão guardadas no meu coração. E ele querida, só pertence a você.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Violetas na janela.



Eram as violetas que chamavam a minha atenção, presas em um vaso antiquado e frágil. Já não cabiam no recipiente, caiam aos montes tentando fugir mesmo estando mortas. As flores sem vida davam um tom funebre a paisagem, meus olhos já cegos não eram acostumados com luz e fitavam com penar o cenário que encontravam. Um quadro antigo, uma cama desarrumada, ainda com cheiro da noite passada, uma louça suja e o seu retrato.
Era melancólico pensar quanto tempo estive fora, não deixei bilhete, fotos, acessórios... Fui embora como se nunca tivesse pertencido aquele lugar, deixei apenas arranhões no espelho do quarto. Não consigo imaginar acordar todos os dias no mesmo lugar com aquelas marcas sempre refletindo um rosto desfigurado.
Agora que retorno depois de tantos anos, será que ainda é o mesmo? As violetas continuam na janela esperando que eu as reguem como fazia todas as manhãs, infelizmente não sobreviveram ao meu abandono. Será que a barba continua igual e os seus olhos, ainda são azuis? Não encontro nenhum porta-retrato recente apenas fotos velhas, sem vida.
Logo que cheguei me deparei com seu novo amor, ou amores, não entendo por que existem mais crianças aqui. Mas me pergunto, por que a fechadura não foi trocada, nem a decoração, nem a minha foto. Era a única coisa minha dentro daquela casa, uma foto. Logo hoje que fazem exatos dois anos que eu te deixei, não perguntei se faria falta, nem mencionei pra onde ia. Apenas abri a porta e fui embora. Ainda não entendo como tudo aconteceu.
Dois anos. Eu começo a caminhar pela casa e finalmente te encontro chorando, um choro de saudade, dessas que fazem doer o peito e a alma. Agarrado a foto do nosso casamento te escuto balbuciar "Até que a morte nos separe não acabou com meu amor", então entendo seu sofrimento o meu abandono foi eterno e descubro que não passei de uma alma penada descolada do meu corpo.


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Violetas na janela. de Hannah Tobelém é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Vedada a criação de obras derivativas 3.0 Unported.
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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Jogo dos sete erros.


Rastejava no escuro procurando por infinitos pés. O pouco nunca lhe agradou, sempre precisou de todos. Trocava de pele mais rápido do que mastigava suas presas. Mesmo no escuro eu conseguia enxergar sua língua, sempre pra fora da boca, produzindo sons nojentos e repugnantes.
Foi criada em cativeiro, não precisou passar pelos perigos que envolvem um bicho selvagem. Conseguia ser venenosa e ingênua, principalmente na hora da janta, cada refeição uma tentativa de assassinato. Como era caseira esquecia-se que vivia em uma gaiola de vidro, sempre sendo observada pelos maiores e principalmente pelos donos de sua vida, gargalhadas eram soltas quando a pobre e fraca cobra tentava dar seu bote acreditando que ninguém ao seu redor veria, doce ilusão.
Mas o que me impressionava eram os olhos amarelos, de quem tem uma maldade escondida e um desejo guardado no fundo de um baú. Eram as duas íris finas que davam o ar de que ela tanto precisava. O olhar. Era o olhar que podia matar no escuro, era aquele olhar que podia petrificar e destruir qualquer tipo de ligação pessoal. Era aquela expressão burra e mal-criada de quem quer tudo e não tem nada.
Percebi com muita dificuldade o que se passava na escuridão da festa, a luz queimou e a serpente fora solta. Me deparei com ela enrolada no meu pé, uma tentativa mortal e débil de tentar ferir alguém. Me agacho e prendo sua cabeça em minhas mãos, veneno de cobra não tem o mesmo efeito duas vezes, não há o que temer. Entendo por completo a situação e os olhos de serpentes que eram tão amarelos na verdade, eram os olhos de uma mulher completamente sem vida.

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Jogo dos seta erros de Hannah Tobelém é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Vedada a criação de obras derivativas 3.0 Unported.
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domingo, 25 de setembro de 2011

Alameda falante

Luana estava pronta para ir embora, tomou o último gole de uma bebida vagabunda e amarga, muito parecida com a própria rotina. Saia do bar em direção a lugar nenhum, em alguma esquina ela encontraria seu destino,era o que a ingênua menina mulher pensava.
Era tão jovem, mas sua expressão era de uma envelhecida tristeza, estava cansada de procurar amor em lugares inapropriados. Sorrisos, músculos, cabelos. Tudo isso a exasperada. De volta para casa começou a pensar no tempo perdido, nos amores que nunca aconteceram, nas paixões que nunca saíram dos olhos, dos desejos que prevaleceram na cama...
Dessa maneira desgarrada e infiel, Luana vira a esquina escura da vida, tropeçando e caindo em algumas falhas do asfalto, ao se levantar percebe um horizonte de concreto pronta para abraçar e amaldiçoar suas lágrimas secas caídas em suas roupas sujas. Toda noite obscura precisa de um sol para amanhecer, então em um raiar de luz ressecada encontra Marcus e percebe que está em uma alameda falante, gritando aos seus ouvidos os ventos do amor.

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Amnésia

Me esquece, para eu poder te esquecer
Não me enlouquece
Que sozinho é como eu vou lembrar de você.
Me esquece, ou me deixa te esquecer
Não se entristece
Que um dia essa dor há de morrer
E esquecer o que um dia foi amor...

Ai amor, eu sei que tudo não passou de um calor
E quantas vezes eu já te fiz de abrigo
Para chorar suas lágrimas no meu ombro amigo
Não me esquece, que um dia eu ainda lembro contigo
Esse destino egoísta, mesquinho
Que nós traçamos com o grafite do lápis
E como vou esquecer?
Se do nosso amor nós fizemos uma lápide
"Já se vai um amor muito tarde"

Me procure em cada par de olhos em cada madrugada
Então me veja, em cada desejo bandido, em cada coração partido
Depois me beija em outras bocas, acariciando outra línguas
Como se fosse a minha...

Mas não chore, que cada gota tua me consome
Deixa guardada, isolada toda a mágoa
Que é pra não sofrer mais
Que é para não ser maior do que já é
Vem me consome, em cada paixão, em sonho
Me devore, sendo carne crua, desnuada, só por ti...

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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Jorge

Jorge era uma pessoa de espírito triste. Nascera triste, com um choro triste e um sopro triste. Os médicos não podiam entender como uma criança com poucos segundos de vida já possuía ares tão depressivos. Jorge cresceu, frequentou as melhores escolas e teve os melhores amigos que podia ter, recebeu todo o carinho de seus pais e bens materiais nunca lhe faltaram, mas nascera com olhos tristonhos de quem ainda vê a vida passada. Sua boca curvada para baixo e seu olhar amedrontado mostravam sua interpretação do mundo, frio e cinza. Jorge transformou-se em homem e deixou as características de menino no passado, adotou o terno e gravata, agora o escritório era quase seu segundo lar. Conheceu o amor da sua vida, casou, teve filhos lindos com bocas curvadas para cima e expressões de terna felicidade. Mesmo se considerando o homem mais feliz de todo o globo terrestre, Jorge continuava parecendo triste, suas feições abaixadas faziam do pobre homem um espelho errado do que realmente sentia. Carregava no rosto uma eterna melancolia, mas no peito levava a certeza de que a vida é bela e que aparências devem ficar mesmo é nas novelas...

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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Do amor.

Roubou meus olhos quando eu estava dormindo
Meu coração calado levou sem permissão
Agora estou em ares de amor bandido
Cheirando a solidão.

Em estrada de ferro e castelo de pedra
Te contemplo ao longe amargurando as novelas
Esperando o tempo, por que ele me vela
Rindo da distancia pela janela

Se sei que vai chegar fico feliz uma hora antes
Pois sei que o hoje será muito melhor que o ontem
E que o amor do futuro seja o bastante
Para me consolar enquanto olho o horizonte

Te vejo partir, então caio na rotina
De passar a mocidade na avenida
Vejo o seco do deserto com sua agonia
E o amor por você ganhando vida.

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Do amor de Hannah Tobelém é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Vedada a criação de obras derivativas 3.0 Unported.
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domingo, 21 de agosto de 2011

Dúvida

O cheiro me lembra do que eu já esqueci
O olho derramado querendo ser o que não é
As mãos cruzadas fechando o caminho
Aonde está o meu destino?

Preciso enxergar o horizonte a minha frente
Vejo paredes, grades, tudo o que me prende
Céus, eu preciso ser livre!
Aonde estão minhas asas?

Prevejo a cinza ganhar vida escura
Sendo lava derretida, fria e curta
Quero minhas rochas, meu castelo
Meu imaginário perplexo.

A minha boca fala sem permissão
E meus passos andam em colisão
Então eu percorro os atalhos com pressa
POr onde meus pés caminham com tanta ausência?

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sábado, 2 de julho de 2011

Livre de impostos

Sou um produto livre
Livre de impostos
Longe da sua posse
Longe da sua ganancia

Arrogância!
Com mercadoria usada
Validade ultrapassada
Embalagem violada

Importação e exportação
Sua conduta
Sempre tão suja
Sujeira de proprietário!

Sou um produto livre
Livre de impostos
Longe da sua posse
Longe da sua ganancia!

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Vês

Viva-te, pois só desta maneira poderás conhecer a vida, caminha-te com teus próprios pés para mostrares ao mundo as milhas que caminhaste descalço. Sorria-te quando o mundo virar-lhe as costas e te crucificar, pois tua coroa de espinhos és tua e de todo um mundo. Quando a ventania derrubar-te e levar-te as suas raízes, erga-te e abençoa-te com tuas lágrimas, pois és água corrida, lavada em tua alma. Agradeças todos os dias pelos espinhos plantados e pela mágoa velada para que nunca esqueças tuas origens.
Vês, meu eterno cupido, as estrelas do céu não perdem o brilho mesmo sabendo que desaparecerão pela manhã. Vês, meu anjo dilacerado, como tuas asas ainda brilham aos olhos meus, como teu sorriso me inebria. Erga-te teus olhos e contemple um novo mundo...Ergue os olhos, meu bem, ergue os olhos!

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Próximo.

Era o tipo de beleza que te fazia pedir perdão pelos pecados cometidos, bastava um fio de cabelo para prender a eternidade, bastava um olhar e tudo estava acabado. O amor. A vida. O destino. Eram apenas navalhas que cortavam o ar, eram corpos nus completamente cobertos pela hipocrisia do ser e do sentir. E o que seria o amor senão uma grande ilusão de óptica, que te massacra e te remenda até você não ter mais fôlego para respirar. Então, somos forçados a engolir uma realidade que não existe criando expectativas em cima de mentiras, doces mentiras. O penar de um pensamento indeciso é o reflexo de uma busca sem fim por paixão, prazer e dor.
O ciclo biológico nos mostra como a vida se renova e desta maneira fazemos novos caminhos, menos ousados e mais bandidos, deixando cicatrizes, lava e cinza por onde passamos. O que seriam meus passos senão marcas em areia seca que se desmancham com um novo vento, o que seria minha boca seca senão o desejo de se unir a lábios ressecados, o que seria da cura sem o câncer. O que seria do amor sem sua desilusão.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Dúvida.

Encontro teus olhos perdidos nos passos vazios de outros pares, os calçados usados passam despercebidos até se cruzarem. As mãos frias e ásperas voltam a se tocar e as bocas fechadas abrem-se novamente em sinal de redenção, misericórdia para anos de silêncio. Os dedos que massageiam a pele percebem como o corpo amadureceu, a coluna ereta pronta para se defender se desmancha em prazer fazendo relembrar as estrelas, quantas estrelas.
O sangue vivo pulsando nas veias é o sinal de que não existe dor, nem lágrimas para serem choradas. Não existe vitória para ser comemorada ou derrota para se desistir, há apenas o presente e o estado físico que está a nossa frente. Cara a cara com a dúvida, meus olhos displicentes percebem que existe apenas um caminho nas sombras para ser revelado, revelação que apenas o futuro incerto de nossos passos amedrontados pode nos mostrar.

sábado, 28 de maio de 2011

Carta de despedida.

Ainda vejo sua mão acenando para mim como quem diz "Vai ser feliz", ainda lembro da mescla de orgulho e saudade que seus olhos transpareciam. Você esperou que o nosso grande separador fosse embora, ficou contemplando sua imagem magnética e pensando como o tempo passa rápido, não foi ontem que você me segurou no colo? Ah, o tempo! Cruel e misericordioso, como um pai que ensina ao filho os bons costumes, agora ele nos ensina a dor da separação mesmo que seja temporária. Quantas perdas nós tivemos, é triste lembrar que muitos já não estão aqui para acenar como você acena para mim. Mas as vitórias, essas foram grandiosas, por que sempre conseguimos nos levantar depois de uma rasteira da vida e foram muitas. Nos apoiamos, como se fossemos dois braços de um único corpo, choramos como se fossemos apenas uma tristeza e agora nos despedimos com a certeza da saudade e a insegurança do amanhã.
Teu ombro que já conteve meu choro agora chora sozinho, não por não possuir mais ninguém, mas por não ter mais meu corpo físico, a minha alma estará sempre contigo. Agora estamos vendo paisagens diferente, em locais distantes. Vê mãe como a vida é bela daqui também, a felicidade reina e a beleza do aprender é plena. Além de ti, deixo os meus tesouros, os amores da minha vida, meus filhos peludos. Se a palavra do homem vale um escrito, eu grito: Volto maior do que já sou, com um amor maior do que já tenho, com saudades eternas do meu tempo.

domingo, 22 de maio de 2011

Tempo-retrato

Já não podia mais te contemplar, sua pele e seus pelos me olhavam, imploravam para um toque. Já não bastava te contemplar, era necessário adorar, tocar, beijar e unir a pessoa a um só corpo. Não queria te contemplar, pois sempre que via seus olhos grudados a mim eu lembrava que estava preso a outra. Não sei se procurava sinais apenas me observando, por mais que nossos olhares se prendessem como se fossem condenados, não mostrava o calor que sinto da sua pele.
Então, eu vejo você me contemplando, me olhando como eu te olho, me desejando com o meu desejo. Percebo que ambos nos contemplamos como quadros pregados na parede em frente. Uma obra de arte pintada em cores vivas e lúcidas. Um tempo-retrato mostrando o que fomos em vida.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Uma casa muito engraçada.


A casa velha e abandonada fazia eco em meus ouvidos, cada vez que escutava falar de suas paredes mal pintadas e de seu piso solto sentia que uma faca atravessava meu peito. Nunca esqueci daquela casa e nem da escada que vivia nela,tão antiga e empoeirada com seus degraus defeituosos e traiçoeiros. Nos dias de hoje quando me pego embaçada e triste lembro sempre da escada frágil que unia os andares, marcada por altos e baixos dos degraus e alguns buracos pelo tempo, a escada sempre permanecia de pé. Como eu sinto falta da minha escada.
Ainda consigo ver a paisagem da janela, sempre interrompida por uma cortina de água, lágrimas que teimavam em cair de meus olhos. Como eu sinto falta do meu jardim mal cuidado. Mesmo antiga a moradia era forte, como madeira e pedra fez de barrancos sua fortaleza. Como eu sinto falta do meu abrigo.
O telhado já sem telha deixava a chuva banhar e lavar a sujeira que existia nela, inundando seus quadros e moveis, afogando seus moradores. Era uma casa velha sem tintura e bastante turva, uma velha casa de olhos e lembranças. Lembranças que não me esquecem. Como eu sinto falta daquela casa...

sábado, 14 de maio de 2011

Sozinho

De tanto procurar amores em pernas avulsas
Descobri o tesouro escondido ao meu lado
Entre conversas altas e confusas
Avistei suas terras profundas
Desvendando o melhor e pior do mundo
Bem daqui, protegida no meu partido alto.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Tereza

Uma música de cabaré tocava ao fundo, Vicente nunca soubera qual era a língua cantada, sempre ficava hipnotizado pelo corpo de sua amada Tereza. Em cima da cama bagunçada, provas da noite passada, a doce ninfeta fumava seu cigarro, o cheiro forte de fumaça e vicio invadia o quarto como uma virgem na sua primeira noite de amor. Trinta anos de diferença, aos quarenta e cinco o grande pintor Vicente se apaixonara perdidamente por uma menininha. A grande distancia entre as idades assustava qualquer um, menos a diabólica Tereza. Digo diabólica por que só o diabo pode condenar o coração de um homem como aquela adolescente sem pudor e cheia de fantasia fez. Seu sorriso cheio de dentes e seus olhos cheios de segredos encantavam qualquer passante.
A malícia na ponta dos dedos e o enrolar dos cabelos diziam claramente o que ela pretendia, prende-lo. Se sua boca sorria, seus olhos falavam "Quanta ousadia". Era rotina se recolher toda noite no quarto da probrezinha, sempre desnuda e pronta para ele, o grande artista memorizava e imortalizada a imagem daquela pequena, "minhas armas de trabalho imortalizam o seu tempo" era apenas o que ele falava.
Que relação estranha que os dois tinham, parecia cena de filme mudo, aonde só os olhares e dentes conversavam, conversas que duravam horas até o dia amanhecer. Todas as noites antes de voltar para a casa o rapaz a escutava dizer "Hora de acordar" e todos os dias abria os olhos e voltava pra realidade do lar.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Q de solidão

Hoje estou em pedaços
Tanta mágoa e vergonha
Destino do teu caminho mal traçado
Por passos falsos
Dentro dos seus sonhos aprisionados

Os pulsos erguidos em sinal de redenção
A voz grita o silêncio de mais um sufocado
Vejo na cena pouco carater e muita solidão
Por alguém que passeou na vida e se deixou de lado

E aos olhos abrir, viu o rebanho correr
Era uma manada enfurecida
Correndo de encontro a vida
Vida que te escorreu

Foi se encontrar no bar com suas armas
De pele e alma com muita calma
Bebeu para esquecer que viveu...
Para esquecer de viver...
Mas esqueceu de se esquecer...

Porém, um belo dia ele lembrou que morreu

terça-feira, 26 de abril de 2011

Duplo

Adiantou vestir uma mascara fria
Só para a voz vazia falar
Você mente até todos ficarem sem respostas

Você pode ir mais rápido, isso te fará mais vivo?

então respire fundo, prenda o sopro
Estamos todos sufocando
Todos nós vemos a chama da íris
Te corroendo por dentro
Mas você não pode fazer nada por hoje

Tantas mentiras te vestiram
Te pesaram o ar e te quebraram
Eu vou gritar até irritar os seus ouvidos
E caluniar até seus pensamentos
Estamos tão doentes.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Ciclo da vida.

É o ciclo da vida abrindo novos caminhos
Escuros e vazios na forma de coração
Coração que teima em pulsar
Por novas vistas, por um novo ar.

A paixão pelo desconhecido
Cruzada com um desejo de amar
Que canta aos meus ouvidos
"Corra para o teu lar"

Quero o que meu amor antigo
Para os choros contidos poder descansar
O meu peito oprimido eu levo contigo
Lágrimas e sorrisos para poder relembrar

Será que ainda lembra?
Das juras de eternidade e dos poemas feitos
Dos caminhos traçados e depois desfeitos
Como giz em poça d'agua

Agua que banha, que marca
Que me massacra
Como nossos sonhos sonhados
Que como a água, vira mágoa.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Aviso

- Fracassado, adiantou fechar os olhos para sua vida? Adiantou alimentar tantos sonhos e agora chorar no travesseiro? Não me olhe com essa cara, sabe muito bem que um dia eu iria chegar. Eu sei que não sou bela, nem doce, mas o que eu posso fazer?! Você me quis assim, você foi me mudando com o passar da sua vida, me colocando sempre no canto me escondendo e se escondendo. Adiantou se esconder de mim? Responde!
- Por que, por que você tinha que chegar? As coisas não podiam ser como sempre? Eu era tão feliz antes de você aparecer e acabar com quem eu era! Atrevida, você me prometeu que tudo seria melhor, que eu ia ter meus desejos realizados e agora isso? Tudo que eu vejo são sombras e borrões, uma pintura turva e borrada do que um dia eu fui. Livre-me disso, livre-me desse mal, você me colocou aqui! Te desejei durante todo tempo e agora não sei quem é você, diz! Quem é você?
- Eu sou tudo o que você prometeu e não realizou, eu sou o fruto de todas as suas sementes impuras. Eu sou sua solidão e seu medo, eu sou todos os amores que choraram por você, sou todas as suas risadas, sou todas as suas charadas. E agora, adiantou? Adiantou tanto rancor, tanto ódio, tanta roubalheira? Não adiantou. Eu sou o que você fez, eu sou a personficação da sua maldade. Eu sou seu futuro, Juan.

E com essa conversa na cabeça Juan acorda de mais um sonho violento, olha para o lado e percebe que sua mulher dorme tranquilamente. O que será que foi aquilo, um aviso do seu futuro ou o próprio diabo dando sua sentença?

terça-feira, 29 de março de 2011

Um pombo.

Mil pombos voavam no céu, era uma nuvem de asas e uma chuva de cartas. Declarações de amor, de dor, de sofrimento e de esperança. Que vista explendida eu tive quando vi o pombo chegar, com as asas abertas esperando por água, por casa, por conforto. Todos queriam ser aqueles pombos, voar livremente, levar palavras, pequenas palavras para pessoas queridas, poder chegar em casa e ter um lugar para descansar.
Nunca vou esquecer daquela imagem, um céu cinza como a alma de quem guerrilha, um céu que era azul, coberto por uma camada passageira de asas e peitos. Aquelas letras, aquela caligrafia, com palavras tão curtas, mas tão ousadas "Quero-te" era o que o bilhete dizia e naquele momento meu coração se encheu de alegria. Algum barulho triste vinha do fundo, não soube identificar...
Acordei, ainda com a sensação confusa e leve de meu sonho, que sonho! Como queria eu viver naquele mundo paralelo, aonde existiam seres livres que voltavam para mim, de um ponto a outro, sempre vindo de encontro a mim. Por que mesmo a realidade não pode ser um sonho?

domingo, 20 de março de 2011

Amor

Se amor é chama que não se apaga
Meu peito é voz que não se cala
Dor que não se cura, cicatriz que marca
Arde em minha pele, deixa cinza
Em tom de despedida.

Se amor é lava que derrete
Que derreta minha boca que tem sede
Sede de vida, de casa, de sabor.
Se amor é fogo que queima
Que queime minha dor que teima em falar.

Que o meu amor seja presente
Embrulhado, enfeitado, nunca ausente
Que seja bem lembrando
Como carnaval passado
Passado, amarrotado, guardado.

E o tempo que é o senhor
Suma com a dor,
Como se fosse voz de uma canção
Faz do sofrimento alegria
Para um dia o hoje, ser só nostalgia.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Lama.

Quando a solidão é tudo que nos resta, o grito do silêncio se torna vibrante, por que não há nada mais forte do que a voz de quem se cala. E o futuro, por que nada é mais turvo do que páginas em branco.
Céus! Eu preciso de uma nova vida, de um novo tempo aonde eu possa me reencontrar e me reinventar, preciso de outros caminhos mais obscuros para eu poder me decidir e finalmente descobrir qual é a lama que me espera.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Mil cores

O amor que nasce de forma prematura
Tem sua vida muito curta
É criado por uma intensa paixão
Que se apaga ao fim de uma ilusão
Doce ilusão!

O que era paraíso se transforma em inferno
E sorrisos sinceros em peito dilacerado
O começo que prometia tanto futuro
Cai em um fim iminente sem cor ou gosto

Então, o que era alegria acaba em desgosto
Harmonia que antes era bem-vinda
Passa pela porta sem dizer adeus
Santo Deus, afaste de mim esse cálice!

Nesse vai e vem de dores e amores
Me torno reu confesso
De uma vida de calor e combustão
As vezes mil cores, as vezes solidão.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Delta

Ele tinha seus braços e pernas grudados nela, era olhos nos olhos como se uma vida inteira estivesse sendo contada. Era uma alma de vidro, frágil e transparente, muito fácil de ser assaltada. Ele odiava ver o fogo lambendo a sanidade dela, odiava seu barulho alto e seus escândalos na rua. Ele tinha sua boca e seus dentes pregados nela, como se estivesse preso a uma cruz. Era o sofrimento que o mantinha preso, eram seus membros cansados e torturados que tinham medo de se mover. Ela era a própria luz e escuridão, a mistura de todos os animais, olhos de serpente, fúria de leão e o mistério de uma coruja. Ele tinha seu coração e amor devotos a ela, era quase um religioso que idolatrava seu Deus.
E ele a olhava nos olhos, como se pudesse descobrir a origem do universo através deles, eles se agarravam como se fossem se separar a qualquer segundo e se sugavam e se massacravam tudo para poder dizer que estavam juntos.
Ele tinha seu corpo e alma grudados nela, ele tinha suas pequenas esperanças amarradas na teia dela. Ele tinha olhos e olhares perdidos na alma dela.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Com tanto amor.

"E agora que as luzem se apagaram e a festa acabou? O que eu faço com esse amor que banha nossa cama como sangue, o que faço eu das janelas do quarto e das vistas que dividimos? O que faço eu com as dividas de amor eterno e com a saudade de seu sorriso tão terno?
Só me restam fotografias e imagens turvas do que um dia fomos e não somos mais. O sol que nos abençoava toda a manhã refletindo seu rosto junto ao meu me castiga com a solidão de acordar sozinha.
Deus, o que faço com esses olhares que teimam em perambular por minha cabeça, trazendo á tona todas essas lágrimas? O que resta de mim se não saudades e vagas lembranças da nossa paixão prematura? Tua voz que era tão presente e grossa, é tão transparente agora, não perturba mais meus ouvidos cansados. Devolva-me seus barulhos, sua bagunça, suas roupas amarrotadas. Devolva-me seus cabelos desgrenhados, suas unhas mal cortadas e seu sorriso canastra. Devolva todos seus pecados, desejos e defeitos, eu aguento tudo por você. E agora, sem adeus, sem apertos de mãos, ou promessa de um novo retorno. Agora essa sou eu sem você, sem festas ao amanhecer com você ao meu lado, sem guerras de caricias ou a paixão quente em minhas veias. Sou apenas metade de amor, de lembrança, sou metade de uma vida. Mas sou inteira na minha tristeza e saudade."
Lydia contemplava o caixão do seu jovem marido " Aqui jaz muita vida e amargura", secando uma das lágrimas, Lydia aperta forte a flor contra o peito e a joga em cima do caixão do falecido. "Deixo contigo minha alma, meu corpo vai em breve."

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Deus me ajude.

O problema do homem é que para tudo ele recorre a Deus e suas fileiras de santos, e olha que existe santo para tudo. Quando estamos no vale da onda, na pior fase da nossa vida, a maioria apenas reza, olha para o nada em busca de alguém superior, com mais poder sobre sua vida do que si mesmo e pergunta, quase ordenando "Por que eu? Me livra de todo mal", nessa hora lembramos da religião, mas quando estamos plantando nosso futuro com bastante discórdia e poluição esquecemos de rogar a qualquer tipo de Deus. Esquecemos todos os nossos feitos, o que fizemos para chegar aonde estamos e o que podemos fazer para sair. É como se víssemos a placa de "Saída de emergência" na escuridão do cinema, mas trancamos a porta e a solução óbvia fica penosa demais para alguém arriscar. Afirmamos com tudo isso o nosso egoísmo, nossa particularidade que não nos deixa enxerga a situação de outros, que pode ser igual ou muito pior do que a nossa.
Então fazemos mil promessas, corte de doces, de gordura, um comportamento melhor, vejam que absurdo! Prometem para uma divindade, mas nunca para si, como se aceitássemos que a vida é um teatro de Deus!
A miséria do ser humano não se consiste apenas em fome ou frio, mas no individualismo, na solidão, na amargura que deveria ser curada, mas é como álcool para um viciado, sempre alimenta uma pobre alma. E será que não somos isso, pobres almas como brinquedos velhos que alguém esqueceu em um canto? Ou somos cegos admirando um espelho?

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Felicidade ilusória

É tão fácil quando fazemos uma pergunta que a resposta é óbvia demais, o que torna complicado é quando o óbvio não é aquilo que realmente desejamos. É triste ver uma pessoa infeliz, mesmo quando estamos felizes, um relacionamento por exemplo, nem sempre ambas as partes estão satisfeitas e sempre tem aquela pergunta "eu te faço feliz?", então o lado que está incompleto abre aquele sorriso e diz "Por que não estaria?" e o outro extremo abre um igual sorriso completo na sua ilusão, é difícil admitir a verdade...
A verdade é uma prostituta, sempre muito bonita, abre seus belos lábios e logo ficamos enfeitiçados por sua bela falsidade, será que a verdade um dia existiu? É muito mais fácil e nocivo acreditarmos que está tudo bem, quando na realidade somos ratos na roda, que sem saída ou solução, ficamos girando, girando e girando na mesma circunstância débil e monótona. Não encontramos saída, até nos acostumarmos ou entendermos. A felicidade é ilusória e assim como a desejada verdade, uma puta. É vendida por prazer, para satisfazer, mesmo sabendo que quando o programa acabar, tudo voltará para o escuro. Somos pombos seguindo trilhas de migalhas de pão, nós sempre nos contentamos com as migalhas. Pedaços de amor, pedaços de amizade, pedaços de pessoa, sempre migalhas atiradas ao chão que contemplamos e devoramos como famintos.
A felicidade, assim como tudo, você pode incluir o que quiser nesse tudo, é ilusória e somos muito felizes com isso, até descobrimos que tudo não passa de uma farsa...

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O ser humano e seus instintos.

Imagine um mímico, agora coloquem nessa mesma imagem uma caixa invisível, aonde você pode ver tudo, todos podem te ver, mas você não pode sair, mesmo ela não existindo, isso meus caros, é a monogamia. Longe de mim, achar que a monogamia é um veneno ou que é errada, quem sou eu para criticar os princípios ou estilo de alguém, acho bonito, mas de maneira nenhuma confiável. Como se pode confiar em seu parceiro se não se pode ter outras experiências? Será um ato carnal ou instintivo, traição? E a falta de amor, de respeito, também não seria traição? Talvez estejamos confundindo fidelidade com lealdade, mas o que são mesmo estes dois princípios? Fico me perguntando se somos máquinas da sociedade, marionetes de um sistema que nos empurra seus ideais não nos deixando refletir e adquirir nossos próprios princípios.
É tá triste essa falta de confiança que a monogamia impõe, como poderemos saber se somos realmente felizes, como poderemos valorizar o amor se estamos presos a correntes imaginarias? É tão complexo, e tão simples! Fico pensando na real natureza humana, pois um dia existiu! Mas será que a perdemos por completo? Vejam a natureza, como é um exemplo de vida, existem animais que são poligamicos, assim como existem os monogamicos, mas isso faz parte da natureza deles, qual será a nossa natureza? Creio que os limites e ideias de uma sociedade acabaram com o homem animal, acho que nunca saberei qual é a minha verdadeira natureza, assim como a sua. Qual será a vida de nossa espécie, será que somos monogamicos, caçadores, vegetarianos? Creio que isso não importa mais, pois o homem se modificou por completo, a nossa especie é bem mesquinha, não seria diferente no amor...
Ah sim, somos muito egoístas, vejam as matas destruídas, queimadas... Os animais sem lar, sendo torturados, usados como cobaias, vejam o próprio ser humano que mata outro sem motivo, não creio que a sociedade tenha sido uma real evolução. Já viu algum animal evoluído acabar com seu planeta? Ah, eu nunca vi! Nós até inventamos o amor, ou descobrimos nunca saberei a verdade. Por que eu só poderei amar uma única pessoa dentro de um relacionamento, não seria egoísmo já que existem milhares de outras pessoas implorando por afeto e carinho? Talvez eu esteja completamente errada, até mesmo cega, por essa minha fome de odiar a sociedade. Nunca saberemos a verdade sobre o ser humano, essa é a parte mais triste de ser a espécie mais evoluída, somos uma espécie destrutiva, não somos mais naturais....

Teia.

Cristiana era uma mulher forte, estava na casa dos trinta e no auge de sua beleza, não era casada, mas amava de todo o coração seu namorido Raimundo. Estavam juntos desde o começo da faculdade e mesmo sendo tão diferentes conseguiam se amar mais a cada dia que passava. Desde o começo, o relacionamento só teve um único problema, o ponto de vista poligamico de Raimundo, sempre muito mulherengo e galanteador, Raimundo era conhecido por sua lábia sedutora e por conseguir todas as garotas que paquerava. Até mesmo no ensino médio com algumas espinhas na cara, o rapaz conseguia conquistar quem quer que fosse, desde a princesa do colégio, até a mãe quarentona do melhor amigo. O grande problema, era que Cristiana era conservadora e até mesmo um pouco tola, acreditava cegamente no amor dos cinemas, na tradição da cultura e não abria caminho para o novo. Desde o primeiro dia que conheceu seu amado namorido, Cristiana tinha certeza de que iria o amar para o resto de sua longa e infeliz vida.
Como o tempo passa rápido! Os jovens adultos cheios de sonhos cresceram e os sonhos projetados começam a se tornar realidade, com uma vida financeira estável e uma casa grande com um carro usado na garagem a vida era só flores, até agora.
- Eu não acredito que você fez isso comigo, foram dez anos jogados na privada imunda de um boteco, como você pôde? Tantos anos de dedicação, de amor, de carinho, Deus! Quantas vezes eu me esqueci por você? Quantas vezes deixei minhas vontades para atender seus caprichos mimados e você me retribui com isso?- Cristiana estava sentada na ponta da cama, com uma mão segurava o cigarro na outra contemplava a camisa branca com uma bela marca de boca pintada de rosa.
-Meu amor, quantas vezes eu tenho que te dizer, isso não significou nada, você sabe que é você quem eu amo, eu quero você para ficar do meu lado para sempre. Elas não significam nada, não existe maior prova de confiança do que isso?- Raimundo estava parado na porta do quarto calmo como sempre, tranquilidade que irritava qualquer um em uma bela discussão.
- Você ainda tem coragem de dizer que isso é uma prova confiança? Durante anos eu fechei meus olhos para sua traições, para suas bebedeiras, mas agora todos os limites foram ultrapassados, você acha que eu sou o que? Um troféu, uma jóia cara, que você sabe que ta sempre ali para você apreciar e mostrar para os amigos, mas que nunca dá atenção ou o devido valor! Eu cansei Raimundo, não nasci para isso, para ser a mal amada, desprezada por quem mais amo, você é um canalha e eu sou uma idiota!- Cristiana aos berros, bate a porta e vai para sala, quebra o porta retrato com a foto mais bela do casal, existia uma rachadura entre eles, no coração da pobre moça e agora no suporte da foto.
- Você sempre soube que eu era poligamico, desde o primeiro dia que nos conhecemos, você sabia disso! Você fechou os olhos por que quis, por que eu nunca te impedi de também ter suas aventuras, você diz tanto sobre confiança, sobre lealdade, mas como podemos provar isso para o outro se não somos livres? De todas as mulheres que eu dormi, era para você que eu sempre voltava e não por obrigação, como um desses casais cansados um do outro, eu sempre voltei por que eu sempre te amei. Confiança, lealdade, são valores muito fortes para serem medidos com um simples ato carnal, traição seria se eu não te amasse mais e mesmo assim continuasse com você, por pena ou comodidade e isso meu bem, eu nunca fiz. Eu sou livre e você também, existe prova maior de confiança do que a liberdade? Será mesmo que você sempre me amou, ou só amou uma projeção de mim? Você é feliz com a sua ilusão e eu não sou ninguém para tirar sua felicidade, mas eu não posso me modificar por causa disso. Eu sinto muito, mas eu acredito que quem não tem confiança aqui é você, eu sempre te amei querida e eu sinto muito por você não entender isso.- Raimundo pegou sua pasta de trabalho, deu meia volta e se virou para rua, aquele fora o último dia que se viram. Ambos estão felizes agora, com filhos e casados, Cristiana finalmente encontrou alguém igualzinho a ela e Raimundo continuava a se aventurar como antes, sua esposa era tão feliz na ilusão. Afinal, quem somos nós para tirar a felicidade de alguém? Somos meros mortais esperando a morte chegar.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Feliz aniversário

Felicidades! Hoje faz mais um ano
Está mais velho, na lembrança apenas cinzas
Que ardem e pegam fogo em todo aniversário
Ah felicidades...

Fez da morte sua casa
Da desgraça sua alegria
De lagrimas sinceras, uma sintonfia
De choros e amarguras, uma bela vida.

Viveu por tantos anos
Mas morreu por muito mais
Se no plano encontra magoas
No ceu nao descansará jamais.

É seu aniversário, vamos comemorar!
Filhos, mulheres e amigos
Aqui não encontrará
Fez da sua vida um jardim
Plantou muita tristeza
E só colheu solidão...

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Véu

Daniela e Carolina eram duas criaturas fantásticas, nasceram no mesmo dia, na mesma maternidade. Cresceram juntas, dividiram sorrisos, olhares e segredos. Duas meninas tão parecidas e tão distintas, conheciam-se há vinte anos e não tinham uma única caracteristica igual.
Como Daniela era boazinha, sempre tirou boas notas, obedecia os pais, arranjava namorados que a adoravam, a respeitavam e davam valor, não tinham o que reclamar dessa menina, era a filha que pediram a Deus. Se pudessem dar nome a bondade se chamaria Daniela, ninguém nunca viu menina mais doce, ajudava os idosos, cuidava das crianças do bairro quando as mães precisavam ir trabalhar, ela vivia de dia, de noite era apenas dos livros e da cama.
Carolina era seu extremo, o oposto, sempre tirou notas altas, mas por seduzir os professores, era uma típica ninfeta, uma mulher no corpo de uma criança. Já pequena chamava a atenção, seus olhos despercebidos e ingenuos eram a luz para os homens. Nunca deu muito valor aos pais, já que jogou no lixo a boa educação que a deram. Não era religiosa, detestava domingo familiar e mal dormia, gostava mesmo era de viver a vida por completo. Usava o sexo por prazer e descobrimento, as vezes para poder se safar de algumas encrencas. Amor ela não conhecia, plantava nos homens fixação por ela e a partir disso conseguia o que queria. Era uma manipuladora e sempre conseguiu tudo o que queria.
Ninguém nunca entendeu como duas pessoas tão diferentes podiam ser amigas, nem a própria Lurdes que via de perto, como uma terceira pessoa, entendia a cumplicidade das duas almas. Elas se completavam, como se uma precisasse da outra para existir. É incrível como um corpo pode abrigar duas almas ao mesmo tempo, Lurdes que te conte.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Dama do dia

Desejo, era a única palavra que Grabielle conseguia pensar, as lembranças da noite passada atormentavam-lhe a cabeça como a conta de luz atrasada. Estava seguindo sua miserável rotina quando se recordará do (in)feliz acontecimento, ela não sabe explicar por que tem esses flashes, provavelmente a cor negra do café a fez lembrar de um passado igualmente cego.
-Dúvido que você tenha visto um nascer-do-sol tão bonito quanto esse, a paisagem também ajuda, o verde das árvores, o cheiro do mar, isso não é ingênuo?- Gabrielle estava radiante mesmo com o rosto passado e a maquiagem esgotada continuava sendo deslumbrante, seu sorriso conquistador era mais perigoso do que os olhos de serpente que estavam (mal) pintados.- Desculpa, eu estou aqui falando sem parar e nem perguntei seu nome, como se chama?
-Não te interessa, você sempre aborda as pessoas assim? Invadindo seu espaço, interferindo o silêncio alheio?
-Tudo bem, um nome não importa mesmo, o meu é Gabrielle, mas pode me chamar de Maria, Clara, Luisinha. Você tem razão o nome não interessa mesmo, por que hoje em dia as pessoas só querem saber de nomes e esquecem de se conhecer, não é mesmo? É tão triste isso, casais ficam juntos durante anos e nem sabem dizer o que se passa no olho um do outro. São completos estranhos que reconhecem nomes. Vou reformular, minha pergunta, quem é você?
Em um impulso violento, o rapaz sem nome beija Gabrielle, como se fosse o ultimo beijo da sua vida, como se fosse a ultima vez que sentisse o corpo de uma mulher contra o seu. Parados olhando um para o outro, o estranho fixa o olhar no sol, seria a ultima vez que via um sol nascer tão belo.
- Obrigada, me sinto vivo agora. Adeus.
Como num despertar da consciencia Gabrielle folheia o jornal, primeira pagina: Homem mata esposa e se mata depois". Não era o café que a tinha feito relembrar o passado e sim a foto do desconhecido que a beijara em pleno nascer do dia.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Fragmento

Já não sei o que se passa em mim
Devaneios, cores, olhares
Marcas de um triste fim
Se no meu peito guardo tanta magoa
No rosto carrego um belo sorriso
Pois sorrindo assim
Todo mundo irá supor que sou feliz.

O inicio é apenas fruto
O meio apenas tédio
De que será feito o final?
De grandes silêncios e algumas lágrimas?

Como dói ter mil céus e nenhuma estrela
É como um Sol sem calor e apelo
Como uma Lua sem seu brilho no escuro
Mas oras, sem Sol não existe Lua!
E sem o teu amor querido, não existe nada...

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Desejo e solidão

A muralha que eu construi
repleta de dores e rancores
há uma janela em meu peito
coberta por grades e anseios
que não me deixam ver.

Um quadro tão belo
pintado por olhos cegos
Mais lúcidos que minha vista
O preto e branco da vida
Guia o errado, é assim que ele caminha.

De tantos amores eu vive
há na lembrança apenas dores
Passageiras que nunca passam
Eu vejo um espelho com o meu passado

Passos marcados os meus
que não me deixam seguir
Vejo bem longe um horizonte
ou apenas uma miragem para me iludir.

Quero mais olhos, olhares
Quero mais braços, camaradagem
Quero mais lágrimas, sinceras
Acima de tudo quero mais vida, descoberta.