terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A margem de si mesma.



Guilhermina tinha medo, sempre tinha muito medo de se tornar a pessoa que a segurava na foto de quando era bebe. Guilhermina sempre cresceu á margem de si, vendo no espelho os mesmo traços de seus pais e escutando dos irmãos menores como ela era a mais parecida com eles.  Até mesmo a ponta desgrenhada de seu cabelo era uma acusação do gene de sua mãe, tudo ao seu redor mostrava que ela era apenas uma cópia 20 anos mais nova de seus pais.
-Você é a sua mãe inteira.
-Mas a loucura, a loucura certamente é herança do pai!
-Veja até o modo de andar é igual!
Guilhermina já não sabia se a força da convivência a tornava igual a seus parentes ou se tinha alguma parte do seu DNA que a mandava ser igual aos seus progenitores.  Tinha medo, tinha muito medo de ficar presa a todos esses espelhos que refletiam como ela iria ficar, sempre teve muito medo da língua afiada dos outros parentes conjurando que toda a história ia se repetir.  Nadou contra a corrente, resolveu ser de espirito livre, esquecer quem a rodeava e se fechou para o mundo, seu eterno medo de se tornar como seus pais estava  concretizando-se. Guilhermina viveu com os índios, teve amantes de todas as cores e sabores, se apaixonou e quebrou alguns corações. Guilhermina viveu muitas décadas em apenas duas e agora entendia quando falavam de sua loucura, entendia quando seu pai ria de seus sonhos impossíveis, quando sua mãe desdenhava da sua capacidade de se virar sozinha.... Começou a entender tudo e a solidão que tanto aplacava aquela família passou a ser amiga de seu peito.
Guilhermina era uma cópia exata de seus pais e por isso todos esperavam as mesmas falhas,  as mesmas fraquejadas e ao mesmo tempo despejavam em suas costas a visão de uma realidade melhor. Como era difícil interpretar o papel de uma contradição: Ora xerox, Ora rascunho. Guilhermina não queria nada disso! Desejava do fundo das suas entranhas ser ela mesma, um desenho mal feito e rabiscado de uma pessoa única, diferente de tudo que ela já viu e não cópias exatas que passam de geração em geração... A loucura, a gana, a inteligência, a arrogância, quantas coisas não circulavam em seu sangue e chegavam na íris do seu olho, que por algum acaso era igual a de seu pai.
Há certas coisas na vida que nunca podemos compreender, nem se fossemos imortais poderíamos desvendar certos mistérios. O egocentrismo humano sempre foi e sempre será um dos maiores egoísmo de família; Seja maduro, você me lembra tanto quando eu era jovem; o seu pai também dizia isso; a beleza de sua avó. O egocentrismo humano  sempre foi e sempre será  um dos maiores erros naturais que cometemos.
 Há certas coisas na vida que nem mesmo oito décadas trarão o conhecimento ou a sabedoria, precisamos da dúvida dando facada nos nossos pulmões, necessitamos descontroladamente, desesperadamente, exasperadamente achar a cura para todos os males. Nós nunca acharemos.
Guilhermina percebeu, com muita dor no coração, que não adiantava mudar o sorriso, os planos futuros, ou o olhar: Sempre estaria à margem de si mesma.  Podia pintar os cabelos de amarelo, verde ou roxo, ser uma rebelde, queimar dinheiro em praça pública ou sair pela rua que ainda iriam dizer “tinha que ser filha de quem é”. Guilhermina compreendeu com um certo penar que ela era a expectativa da vida fracassada de seus pais, que o futuro dela na verdade pertenceria a eles e que sua vida nunca fora sua verdadeiramente. Resolveu por um único minuto ser ela mesma, escreveu uma bela carta pedindo desculpas por não ser um futuro brilhante, por lembrar uma juventude imatura, por nunca ter sido ela mesma. Implorou aos pais para não depositarem tanta emoção nos irmãos, deixarem os menores serem como quiserem. Por fim, superou seu último medo: O de altura. Arremessou-se do vigésimo quinto andar, sentiu pela última vez o frio na barriga, sentiu o medo e o desejo de continuar caindo para sempre, sentiu pela última vez a sensação de ser feliz. Guilhermina preferiu morrer a encarnar um papel que não lhe cabia, Guilhermina decidiu ceifar a própria vida a viver a margem de si mesma. Guilhermina agora vive nos olhos lamacentos de seus pais e suas cinzas voam o mundo todo. Teve em sua morte tudo que quis ter em vida e teve em sua vida sua toda e completa morte.

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