sábado, 31 de março de 2012

Boneca IV



Minha Boneca era minha e era a coisa mais rara que o mundo já viu. Boneca que grita, Boneca que instiga. Eu jamais conseguirei esquecer de suas manhas e de sua birra, minha Boneca era minha e só minha. Ela nunca me colocou algemas ou me prendeu, mas fazia questão de me torturar, chicoteando minhas costas, me ferindo por trás e eu como grande tolo e otário, a deixava me marcar.
Minha Boneca era minha e de mais ninguém, colocava suas pequenas sapatilhas e rodopiava em cima da minha corda bamba, eu não conseguia acompanha-la por diversas vezes deixei minha Boneca cair. Aqueles olhos falavam mais do que qualquer língua afiada, bastava demorar um segundo a mais para piscar e eu já sabia que uma correnteza de insultos e ultrajes iriam me banhar.
Sinto falta de suas pernas que tinham uma leveza tão grande que eu me sentia preso no ar que elas causavam, seus pés tortos pelo balé deixavam-na com ar de menina, embora já fosse uma moça. Eu ainda consigo ver seus dedos, todos eles erguidos para cima, prontos para me bater e escandalizar todos os meus medos. Boneca que julga, Boneca que massacra.
Eu adorava aqueles bracinhos finos, que vinham me apertar e me saudar todas as vezes que eu a via, eu me sentia amado pela minha Boneca sem cabeça. Minha Boneca possuía tantos mistérios, tantas revoltas, ela era uma tempestade e eu sua ressaca.
Eu aprendi a costurar com minha Boneca, selei todos os seus machucados, mesmo que alguns eu quem tenha feito. Nunca me esquecerei de suas saias esvoaçantes, dos cabelos desgrenhados, de suas unhas sempre pintadas de vermelho que cravavam em minha pele e me deixavam escravo de meu desejo. E eu seguia assim eterno tolo pela sua carne, minha Boneca já não existia mais, eu procurava em seus pés minha menina, mas havia esquecido que minha ninfeta já era uma mulher.

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