sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Esqueleto.

Eu via sua alma em decomposição na minha frente e nada podia fazer, uma grossa nuvem de fumaça formava uma parede cinza entre a criatura e o criador. A música aplaudida parou de tocar no momento da despedida, eu continuo vendo os corpos caindo junto com seus passos falsos, quanta esperança morta.
O dia não renasceu, a luz não voltou e eu continuo te vendo da janela, seus olhos não mudaram, mas a expressão... Era um olhar de pena, de angustia, de sofrimento, eram olhos molhados. E eu nada podia fazer, eu era um fantasma, uma sombra que seguia a sua sem você perceber e agora, agora não sou mais nada. Agora sou retalho do pouco que aprendi, sou carne viva da sua lembrança, sou chão marcado de giz. Quantas chuvas passaram para apagar os desenhos feitos, as primaveras também passaram enfeitando seu trono sagrado, perfumando meu peito dilacerado. E mesmo passado tanto tempo você continua deitado na mesma posição, com a mesma expressão apática, com a mesma tristeza. Eu sinto vontade de chorar o seu choro sempre que lembro da sua imagem deteriorada, dos seus lábios curvados para baixo, das suas mãos cruzadas sempre pensando na reza.
Eu ultrapasso a janela e começo a fazer parte da sua casa, nunca tinha entrado antes, sempre te admirava de longe, como um cão abandonado procurando um novo dono. Eu subo as escadas pronta para te socorrer e te movimentar, não é justo pertencer sempre ao mesmo lugar. Eu abro a porta do seu quarto, mas você não olha, não se mexe, nem um fio de cabelo é modificado. Eu já não consigo ver seus olhos, nem suas unhas, nem sua pele.Eu compreendo tudo agora, as lágrimas, o amor mal feito, as ilusões criadas, tantos anos se passaram e eu na verdade me apaixonei por um cadáver.

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