terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Boneca III


"Querido, espero que esse ainda seja seu endereço. Venho há tempos tentando escrever-lhe e contar minhas decisões daqui, precisa ver como o tempo me melhorou, não me reconheceria de maneira nenhuma. Quantos anos já se passaram mesmo? Não lembro muito bem, nunca fui boa de contas. Preciso contar-lhe benzinho, tentei te encontrar em todos os homens que tive, farejei corações, lambi orelhas, escutei amores derramados, mas ninguém brilhou meus olhos como você fez. Engraçado como o mundo dá voltas, não é mesmo? Logo eu que sempre fui seu táxi, você me pegava, dava algumas voltinhas e depois ia embora balançando as calças. Sente falta de mim, benzinho? Sente falta das inúmeras amantes que eu fui pra você? Imagino que sim, senão não retornaria a meu apartamento todos os dias só para lembrar da cama desarrumada. Preste atenção querido, você cavou sua própria cova e agora engula sua terra. Já não sou mais uma menina e muito menos preciso de seus cuidados ou lembranças, pare de me procurar em cada esquina, eu não estou mais do seu lado."
Minha Boneca me escreveu depois de tantos anos, eu não conseguia entender o que ela me falava na carta, eu tremia demais com a verdade e temia a solidão. Contemplei a foto que ela enviou junto, que imagem torturante! Seu corpo já mais maduro, com curvas e formas mais definidas, seus olhos sempre tão esperto, para quem será que ela sorriu quando bateram a fotografia? Já é a nossa segunda despedida, a primeira foi quando ela partiu, jogou todas as roupas em uma mala, derramou perfume em minha roupa e apenas disse "Me esquece". Pois não consigo esquecer minha boneca, tudo me lembra aquela garotinha. O sal que fica na pele depois da praia, a pele molhada de outra mulher no meu corpo, um coração pulsante querendo o meu.
Eu dei tantas coisas materiais, mas não era isso que ela queria. Eu neguei o seu maior desejo, que era o meu amor. Distribui migalhas jogadas ao chão e achei que fosse suficiente, ela nunca se contentou, se entregou por completo e eu apenas a entreguei esmolas. Aposto que seus amantes sofrem tanto quando eu, quem foi Boneca? O que eu fiz com a minha Boneca? Eu remendei seus retalhos e desabotoei seus segredos. Tudo isso para que meu coração termine no último ponto final de uma carta mal escrita.
Está é nossa vida, querida. Uma carta mal redigida, cheia de esconderijos e medos, cheia de falsidade e corações partidos. Eu sinto muito minha Boneca, eu fui incapaz de te segurar quando você fugiu de nós dois e agora eu vivo a te procurar.

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