terça-feira, 3 de abril de 2012

Espelho.



Era uma tarde alaranjada, dessas que fazem a gente pensar no eu profundo e gargalhar por tanta complexidade, era um dia como outro qualquer, desses que a gente vê sendo engolido pela rotina e mesmo assim deixa passar em branco. As cortinas dançavam com o vento, me desafiavam, me chamavam para sua leveza, eu adorava o frio do chão e o ângulo que me dava daquela janela. A brisa trouxe junto um cheiro forte, um desses perfumes baratos que me enjoam só pelo fato de existir, eu senti vontade de vomitar quando lembrei que esse perfume era seu.
As mãos frias e ásperas em cima da minha coluna nua, prontas para me chicotear e me prender a algo monótono e otário, eu sorrio para não te assustar, se a sua iris visse o que realmente existisse, você também sentiria nojo de mim. Eu adorava te esperar sentada em cima do tapete que você me deu, não por que foi um presente seu, mas por que naquele pequeno círculo inúmeros outros aromas passaram e se deitaram comigo, deixando suas marcas. Você cego, nunca conseguiu ver aquilo e eu ria do desprezo interno que crescia, ria da sua pequinês, ria do seus mínimos pedacinhos presos em meus dentes, eu te mastigava e te triturava sem nem ao menos você perceber.
Foram tantos cortes que você tentou fazer, tantos arranhões e machucados e eu fingindo ser uma violeta amargurada deixando o pobre tolo estrear o seu fracassado teatro. Quanta burrice existia dentro da sua cabeça, quanta verdade inexistente, quanto excesso de amor próprio e falta de inteligencia, era tão divertido gargalhar com as suas atitudes.
A verdade é que eu queria ser um espelho, pra poder refletir todos os seus cabelos brancos e dentes amarelados. Queria te mostrar como suas risadas eram ocas e seu dedo indicador era tão podre, refletir como todos os seus jogos eram cansativos e patéticos, como você era visceral e anti-poético. Mas eu me contento com o meu silêncio, com as minhas gargalhadas internas e com as lembranças lúcidas de que o malandro, virou otário novamente.

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